A Vale e o Governo Lula
A polêmica criada a partir das cobranças do governo federal sobre a Cia Vale do Rio Doce e demais empresas que atuam no Brasil no setor de mineração e siderurgia revela de forma cristalina as diferenças de concepção entre o passado, marcado pela política de desmonte do Estado iniciada pelo governo Collor de Melo elevada ao paroxismo nos oitos anos de governança de Fernando Henrique, e o presente (futuro), marcado pela busca de inserção soberana do país no contexto internacional do governo Lula.
O passado, de Eugênio Gudim, no período pré revolução de 30 quando o Brasil era um mero agro-exportador, à Fernando Henrique olha o Brasil como eterno fornecedor de matéria prima e, agora, commodities para o centro desenvolvido do planeta e o presente sabe que o país para ocupar espaço internacional não basta uma eficiente diplomacia e um presidente carismático, mas se inserir em áreas estratégicas vinculadas ao desenvolvimento tecnológico e a produção do saber.
Uma conhecida colunista do jornal O Globo escreveu que o presidente da Vale, Roger Agneli - que age como dono da empresa, não como o seu principal executivo e que sabotou o esforço nacional para a superação da crise econômica -, não deve ceder às pressões do governo e sim dar satisfação aos acionistas majoritários e minoritários da empresa. O que revela até que ponto é capaz de chegar a ignorância subalterna dos chamados formadores de opinião da imprensa nativa.
Não esta se tratando aqui de fabricante de sabonetes ou de peças de vestuário, e sim de uma empresa que vive de explorar o solo brasileiro, que alcança seus lucros e distribui os seus dividendos explorando territórios que são concessão da União, que por onde passa torna o chão que pisa imprestável para o futuro e paga pouco de royalties por isso. Esta se tratando aqui de uma empresa que possui entre os seus principais acionistas os fundos de pensão de empresas estatais e o BNDES.
A ignorância subalterna desconhece que as grandes nações desenvolvidas, alcançaram tal nível a partir da relação de cooperação entre Estado e empresas privadas. Ou se ignora o papel de empresas como General Eletric, General Motors, Ford como alavanca da expansão do prestígio norte-amercano no mundo e do Plano Marchal desencadeado pelo governo dos Estados Unidos, até então uma promessa de potência econõmica, para a reconstrução da europa no pós guerra, que levou essas e outras mais empresas para aquele continente, bem como da indústria cinematográfica americana na expansão dos seus valores ao redor do planeta. Sem falar do papel de empresas como a Toyota, a Mitusubish a Honda etc, para alavancagem do soerguimento de um derrotado e humilhado Japão no mundo?
Essa polêmica traz de volta, embora o presidente Lula negue peremptoriamente, o debate sobre a reestatização da Vale, vendida por um valor aquém do seu potencial econõmico na esteira do processo de privatização desencadeado por Fernando Henrique, e uma grave contradição, já que se por um lado a maioria dos movimentos sociais são favoráveis a que a empresa retorne ao controle público-estatal, no interior do PT há poderosas posições divergentes em relação a tal intenção. Já que setores atuantes no interior do partido ligados ao "mercado" e aos fundos de pensão, cujos executivos também agem de olho mais nos dividentos que reforçam o caixa daqueles fundos e os seus proventos, do que num projeto de desenvolvimento nacional - não é por acaso que o presidente da República acaba de passar um "pito" público em Sérgio Rosa, direitor da Previ (Fundo dos funcionários do Banco do Brasil )-, atuam sistematicamente para que esse debate não seja conduzido no partido.
Além disso, a Vale, sob controle privado, tornou-se algo que a legislação brasileira não permitia quando estatal, uma influente financiadora de campanhas eleitorais dos principais partidos que atuam na cena política brasileira e de muitos parlamentares, o que se afigura num pujante lobby contra a sua reestatização, além da complexa operação financeira para viabilizá-la nos termos possíveis nesta conjuntura política. O que retoma também o debate sobre a reforma política e da proibição do financiamento privado das campanhas eleitorais, que vire e mexe entra e sai da pauta do congresso nacional.
No bojo deste debate onde o governo brasileiro está correto em exigir da Vale responsabilidade social e de instrumento de alavancagem do desenvolvimento tecnológico do país, que possuia quando estatal, colocou-se um "bode na sala" que é o suposto interesse do empresário Eike Batista de ampliar a sua participação na empresa e destronar Roger Agneli da presidência. Só que a biografia do empresário em nada contribui, já que emergiu para a cena empresarial a partir da influência que o seu paí, Eliezer Batista, ex-ministro das Minas e Energia e ex-presidente da Vale, mesmo fora da empresa permanecia exercendo sobre ela, principalmente na área internacional, por ser o principal fiador da expansão da empresa para o mercado japonês e europeu. Um caso típico de tráfico de influência privado no setor público, que contribuiu para enfraquecê-lo e fornecer subsídios para a sua privatização.
Flávio Loureiro, jornalista.
Lula tem o dever de debater rumo da Vale
KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online
O presidente da República está certo ao querer discutir as diretrizes da Companhia Vale do Rio Doce. A Vale é uma empresa privada que tem bastante capital de origem pública. Os fundos de pensão de estatais federais e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) são sócios da companhia.
Mais do que isso: ela explora riqueza naturais não-renováveis. De acordo com a Constituição, no artigo 20, "os recursos minerais, inclusive os do subsolo" são "bens da União". A Vale, portanto, explora essa riqueza por meio de autorização da União.
Isso significa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o direito de derrubar o presidente da empresa? Que deve discutir detalhes da administração cotidiana?
Não.
Mas o presidente da República tem o dever, de acordo com a sua consciência e em respeito aos votos que recebeu, de debater com a empresa os seus rumos, caso julgue que uma inflexão em sua atuação possa ser mais benéfica ao país.
Dizer que o PT quer tomar a empresa de assalto com o objetivo de arrumar recursos para a campanha eleitoral de 2010 é desinformação. A gestão Lula tem sido uma mãe para os mais ricos. A elite empresarial brasileira está bastante disposta a contribuir para a eventual campanha presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Os problemas, no caso petista, são filtrar o excesso de oferta privada e desautorizar operadores oficiosos que vendem uma importância no governo que não possuem. O risco de Dilma é abrir a porteira para todo tipo de contribuição financeira. Mas isso será assunto de outra coluna, com mais detalhes ainda em apuração.
De volta à Vale, é importante levar em conta que uma gestão privada não deve ser atrelada ao desejo do presidente de plantão. No entanto, é bom o argumento de que se trata de uma empresa que atua em área estratégica para o desenvolvimento do país. Faria mal um governo que desconsiderasse isso.
É ótimo que, desde a privatização em 1997, o número de funcionários da Vale tenha passado de 10 mil para 60 mil. Muito bom que seu valor de mercado tenha subido de US$ 8 bilhões para US$ 125 bilhões.
Certamente, o resultado foi excelente para os acionistas e para o Tesouro, para quem a mineradora pagou mais imposto. Mas essa performance não poderia ter sido ainda melhores?
No caso da MMX, da empresário Eike Batista, a rentabilidade em relação a cada real aplicado nos últimos três anos foi duas vezes superior à da Vale. Ou seja, os números dizem muito coisa, mas não tudo.
O assédio político à Vale deve ser combatido, mas a empresa precisa levar em conta os interesses estratégicos do país. Não é absurdo pedir que a Vale invista em siderurgia e que trate de agregar valor aos produtos que explora. Esse é um debate que interessa aos brasileiros.
*Composição acionária
A Vale é controlada pela Valepar, que tem 53% do capital votante da companhia. Na Valepar, o consórcio de fundos de pensão possui 49% das ações. A BNDESPar tem 11,5%. O Bradesco, 21%. E o grupo japonês Mitsui, 18%. Os números estão arredondados.
Um acordo de acionistas dá ao Bradesco o direito de gestão. Roger Agnelli, presidente da Vale, foi indicado pelo banco. Mas a soma do capital votante dos fundos de pensão e do BNDES autoriza esses a influenciar os rumos da empresa.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
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Um comentário:
Este artigo será a minha próxima fala na Praça Mário Lago. Grande jornalista.
ANDRÉ BARROS
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