domingo, 7 de fevereiro de 2010

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE CULTURA

O que queremos dizer quando falamos de Cultura?
5 fevereiro 2010

Por Luis Roca Jusmet do site www.rebelion.org

Vez ou outra colaboro com o (site) Rebelión enviando artigos para a seção de Cultura. Em alguns momentos me pergunto sobre o significado desta palavra no contexto político da esquerda, ou seja, democrático e socialista radical. Trata-se de um pergunta difícil, até porque a noção da palavra Cultura tem uma significado cada vez mais amplo; a ponto de questionar-se a sua própria utilidade.

Vou tentar fornecer algumas pistas sobre o que acredito que possamos entender por Cultura a partir de uma visão de esquerda.

Em primeiro lugar devemos deixar claro que a Cultura nunca é individual. Tem um caráter social e se referencia em um sistemas de crenças, valores e de práticas de um determinado grupo. Mas também não é universal (a Cultura de todos os humanos não é a mesma) e possui nuances quando lhe atribuímos um caráter particular. Isso quer dizer que a cultura são traços de um grupo que não tem um caráter homogêneo. As culturas não existem como tal pois não existem grupos fechados que se identificam com elas. Menos ainda em nossa sociedade globalizada. Amaryta Sem já alertou que a ilusão de uma identidade única conduz de forma perigosa ao sectarismo e a violência. Compartilhamos de traços comuns com grupos diferentes: hoje sou de um país, tenho uma maneira de pensar, compartilho certas atitudes. O muçulmano marroquino, paquistanês e brasileiro tem traços culturais em comum porém outros traços diferentes que os vinculam a outros grupos. Como muito bem colocam Terry Eagleton ou Slavoz Zizek é interessante atribuir a cultura uma dimensão universal vinculada com o particular, a qual cada sujeito pode se apegar. Concentrar-se no particular (etnia, nação…) faz com que fechemos as portas para a autonomia individual e a princípios universais que devem ser próprios da esquerda. É um risco tanto o nacionalismo como do multiculturalismo. Pensadores como Appiah tem destacado recentemente e de forma interessante o valor atual de um cosmopolitismo bem entendido.

Esta última assertiva nos leva a uma crítica ao relativismo cultural, tanto no nível do conhecimento como dos valores. Sendo de esquerda devemos defender um forte noção da verdade, ainda que tenha um caráter provisório, frente aqueles que consideram que toda verdade é um ficção. É necessário trabalhar por uma terceira via entre as verdades absolutas e o relativismo idealista. No campo dos valores devemos afirmar o mesmo: existem princípios (dignidade, igualdade de direitos, distribuição equitativa da riqueza) que devemos defender como inquestionáveis; caso contrário colocaremos o carrasco e a vítima na mesma situação.

Devemos considerar também a critica feita por Immanuel Wallernstein às duas culturas do capitalismo: a cientifica e a filosófica. No caso da ciência com relação a sua mentalidade estreita do cientificismo positivista, como se fosse a única e absoluta fonte da verdade; ao mesmo tempo em que se coloca a filosofia no campo da opinião e das preferências subjetivas; eliminando assim a complementação necessária entre ambos. Deixa-se a suposta verdade na mão dos especialistas e o resto que emitam suas opiniões, reduzidas a bate papos de cafés ou meras especulações acadêmicas. Desta forma os critérios da verdade ficam nas mãos de supostos cientistas, usados pelo capital, e se elimina a razão crítica em prol da razão instrumental.

Finalmente devemos defender uma concepção democrática da cultura, que deve ser acessível para todos. Não podemos esquecer que as manifestações aristocráticas são uma forma de ódio da democracia, como afirmou corretamente Rancière. Se a cultura de massas atual é nefasta é devido a forma como ela é manipulada pelo capitalismo, que a converteu em um material de consumo descartável. Condorcet já dizia que o povo não é estúpido, no entanto se tornam a partir das estruturas de poder. Platão, Nietzsche ou Ortega y Gasset podem ser interessantes em diversos aspectos, porém enquanto esquerda não podemos defender a suas concepções elitistas da cultura, que estabelece como inerente da condição humana a já conhecida hierarquização entre uma minoria selecionada e uma maioria estúpida.

Termino aqui esta primeira reflexão sobre o que devemos considerar como Cultura a partir de uma visão de esquerda. Esta reflexão me parece, entre outras tantas, muito necessária.

Extraído do Site do Jornal Página 13

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