domingo, 8 de novembro de 2009

MEMÓRIAS DA LUTA ARMADA (2)

Luta armada – dificuldades da clandestinidade
Escrito por Wladimir Pomar
04-Nov-2009

O PCdoB sofreu duros golpes durante a ditadura militar. Ele teve um número relativamente grande de dirigentes e militantes presos, torturados e/ou assassinados. Entre os principais golpes que o atingiram pode-se citar a prisão e assassinato de membros do comitê do Rio de Janeiro e Espírito Santo, em 1970, incluindo alguns membros da comissão executiva; a prisão e assassinato de membros da comissão executiva, responsáveis pelos contatos com o Araguaia, em 1972; a liquidação da guerrilha do Araguaia, em 1973; e o massacre da Lapa, em dezembro de 1976.

No caso da queda da Lapa, ela não só resultou no assassinato de antigos dirigentes, mas também no truncamento de uma discussão que podia levar o partido a extrair lições de sua experiência de luta, desde sua reorganização, em 1962. Estava em debate, principalmente, a continuidade ou não do método de preparação militar, preliminarmente desligado do trabalho de construção de bases políticas entre as grandes massas da população.

Também começava a entrar em debate a própria estratégia de luta armada. As mudanças implantadas pela ditadura militar na estrutura produtiva e na estrutura de classes da sociedade brasileira também impunham esse debate a todas as forças políticas de oposição ao regime. Este, ao mesmo tempo em que escancarou o país à penetração indiscriminada dos capitais estrangeiros em ramos industriais e comerciais, fez com que o país desse um salto em sua estrutura produtiva e criasse uma nova classe operária industrial.

Para conseguir isso, o regime promoveu um brutal deslocamento de camponeses para as regiões urbanas do país. Financiou a modernização dos latifúndios, libertando seus agregados, para servirem de mão-de-obra barata ao desenvolvimento industrial. Subverteu, então, a antiga proporção entre a população urbana e a rural. Reduziu a participação da população rural na população total, fez com que a classe operária industrial crescesse e diminuiu bastante o número de antigos agregados dos latifúndios.

Apesar desses sucessos, com a crise do petróleo, em 1973, o regime começou a perder a capacidade de enfrentar as turbulências internacionais, continuar atendendo plenamente aos interesses da burguesia e manter o país em crescimento. Além disso, sua brutalidade assassina, que levara parte da sociedade a tentar uma saída armada, começara a atingir qualquer tipo de oposição, não apenas aos comunistas e revolucionários, ampliando a base social e política da oposição e criando cisões na cúpula do regime.

Em 1974, a resistência legal ao regime, através do Movimento Democrático Brasileiro, impôs a primeira derrota eleitoral à ARENA, o partido da ditadura, que se considerava o maior do mundo, ao mesmo tempo em que setores do regime começaram a acenar com medidas de distensão política. Essas mudanças nos cenários sociais e políticos exigiam uma reavaliação de estratégias e táticas políticas, por apontarem para um movimento de retirada estratégica da ditadura, que tendia a esvaziar a resistência armada.

Ao PCdoB, como a outros partidos que haviam sido colocados na ilegalidade pelo regime, não era fácil realizar um debate, mesmo apenas interno, desse conjunto de problemas emergentes, ainda mais sob o impacto de derrotas e assassinatos de dirigentes e militantes. Só quem viveu o drama da clandestinidade, sob uma ditadura implacável, tem condições de avaliar as dificuldades objetivas para a prática do debate democrático e solução das divergências. Essas dificuldades, sem dúvida, chegaram a um ápice na reunião do comitê central, em dezembro de 1976, e talvez até hoje não estejam devidamente esclarecidas.

Parece continuar pendente a apreciação sobre o fato de que, apesar da gravidade da queda de metade dos membros do comitê central, ela não teve desdobramentos na queda de outros dirigentes e militantes. As informações em contrário, que circularam durante a conferência nacional do partido, realizada no exterior, em 1977, e serviram de motivo para opiniões e decisões negativas sobre o comportamento dos presos, entre os quais eu estava incluído, não foram comprovadas.

Sabe-se que os contatos dos dirigentes e militantes, que estavam sob a responsabilidade da maioria dos membros do comitê central presos, não correram qualquer tipo de perigo. Por outro lado, a informação de que o comitê central caíra, em virtude de Jover Telles haver se tornado um agente infiltrado, levou um tempo considerável para ser apreciada.

Paralelamente a isso, em 1977 e 1978, a situação nacional já havia evoluído de tal forma, que a proposição de luta armada ou guerra popular teve que sair da pauta. É verdade que alguns dirigentes, após a Anistia, chegaram ao Brasil supondo que o país estava caminhando para uma situação revolucionária. Porém, ao contrário disso, o que emergiu para a ordem do dia foi o programa tático da conferência de 1966, do qual constava a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, a reorganização da UNE, a autonomia dos sindicatos, a reconquista do direito de greve e o fim da ditadura militar.

A prática passou a impor a todos uma nova realidade. A nova classe operária teve papel decisivo no enterro do regime. Surgiram novas lideranças e partidos populares, que imprimiram ao processo de democratização um rumo e um ritmo que não constam de qualquer manual de doutrinação política. Mesmo então, muita gente teve dificuldade em vislumbrar adequadamente o que estava acontecendo com o plano de retirada estratégica do regime, forçado, em grande medida, pela mobilização social contra a carestia e por reposições salariais. No entanto, supor que seria possível vislumbrar isso, em 1966, 1968, 1970 ou 1972, é o mesmo que acreditar em bola de cristal.

A inflexão conjuntural do final dos anos 1970 deixou a avaliação da guerrilha do Araguaia para a história do povo brasileiro. E a história, embora tenha que considerar as teorias, possui na prática o seu critério da verdade. Como intenso participante da maior parte do processo de preparação da luta armada pelo PCdoB, achei que as informações do truculento major Curió propiciavam uma oportunidade para prestar um testemunho, embora sucinto. Espero que ele colabore com os historiadores, que não conheceram de tão perto os acontecimentos, ampliando seu horizonte de pesquisas, seja nos textos, seja no contexto em que tais textos foram elaborados, seja ainda, e principalmente, na realidade dos fatos.

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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