segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

CASO BATTISTI: UMA DECISÃO SOBERANA

No final de semana, um leitor indagou sobre qual a razão da polêmica envolvendo a posição do governo brasileiro de conceder estatuto de refugiado político ao italiano Cesare Battisti não havia sido tratada neste blog. A melhor resposta encontrada para expressar apoio a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, é a publicação de trechos do artigo de Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, publicado no jornal Folha de São Paulo, 19-0102009.

Vale lembrar que esse episódio emerge na esteira do crescimento da direita italiana, liderada pelo primeiro-ministro Silvio Belusconi, empresário e identificado como o homem mais rico da Itália, e de manifestações racistas, xenófobas e seccionistas da próspera região norte, onde se localizam cidades como Milão e Turim, em relação a sul, economicamente mais atrasada, cujas cidades mais conhecidas são Nápoles e Bari.

Não é por outra razão que o conservadorismo brasileiro revela na cobertura jornalística, salvo raras exceções, e na hesitação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes - em outras oportunidades ele agiu com mais celeridade -, em emitir ordem de soltura em favor de Battisti, que está preso em Brasília, sua indisfarçável simpatia a pressão do governo italiano contra a decisão brasileira. Seguem os trechos do artigo.

Uma tradição brasileira
“ ..É oportuno lembrar que toda a história brasileira, desde 1500, é uma constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política, discriminação racial ou social e outros motivos injustos, como o uso arbitrário da força. Assim, na segunda metade do século XX, pessoas perseguidas por se oporem aos regimes comunistas estabelecidos na Europa oriental, assim como outras que sofriam perseguição em países vizinhos do Brasil, por se oporem a governos fortes de extrema direita, procuraram e obtiveram no Brasil a condição de refugiados...”

Um julgamento controverso
“ ..Há pouco mais de 30 anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua. Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes ..”

Reação desproporcional do governo italiano
“..Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.. Entretanto, muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante de um movimento político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?..”

Uma decisão soberana
"..A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro."

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