quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O STF ATROPELA O CONGRESSO E INSTITUI A FIDELIDADE PARTIDÁRIA

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a regra estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que permite aos partidos pedirem a cassação do mandato de quem trocar de legenda, pode ser tratada a partir da seguinte indagação: o fim justifica os meios, isto é, contribui para o avanço democrático do país transferir para o poder judiciário prerrogativas constitucionais do legislativo, como a elaboração e o aperfeiçoamento de leis, sob alegação de que este tem se revelado incapaz de exercê-las, se afigurando uma clara intromissão de um poder na soberania do outro? Ou trata-se de uma pretensão autoritária do poder judiciário, que deve ser rechaçada?

Bem, em relação ao mérito da decisão, a instituição da fidelidade partidária é positiva por vários aspectos. Já que fortalece os partidos, é uma salvaguarda da vontade do eleitor, principalmente daquele que vota na legenda partidária, e limita a margem de manobra das esferas de poder público e privado que incentivam parlamentares a pularem de um partido para outro, em troca de vantagens de origens das mais diversas, que vão desde elevação de status político (a presidência de uma comissão parlamentar ou uma relatoria de um projeto de alta relevância) até benefícios materiais que servem a reprodução dos respectivos mandatos (como a garantia de aprovação e execução de emendas ao orçamento ou de estrutura logística e financeira para a campanha de reeleição).

Agora, pode se tornar também, quando a fidelidade partidária é tratada isoladamente, em instrumento de restrição a líberdade de opinião e de afirmação de convicções políticas,, quando a troca de partido, por exemplo, se deve a divergências ideológicas e programáticas insuperáveis. Por exemplo: se um partido fecha questão numa posição favorável a pena de morte, e vários do seus integrantes não se coadunam com tal posição, e resolvem não só romper com as suas bancadas, mas com a própria filiação à legenda? É claro que esse é um paroxismo, mas vamos a outro exemplo que tem base histórica: se um partido decide romper o seu norte programático, como deliberou o Partido Social Democrata Alemão ao abandonar o marxismo como referência doutrinária do seu programa, o que faz parlamentares que perderam a disputa interna e se reivindicam marxistas, vão renegar as sua convicções doutrinárias, porque ao romperem com o partido serão ameaçados de perder os seus mandatos? Não dá para avaliar a questão apenas à luz da infidelidade não republicana, que é a motivadora principal de tal decisão do supremo.

Portanto, dentro das regras do jogo vigente, onde se vota em listas abertas, e o mandato pertence ao parlamentar e não ao partido, tal decisão do TSE, referendada pelo STF, é frágil e desprovida de coerência com a legislação que rege o funcionamento eleitoral e partidário no Brasil, e apenas responde a demandas pontuais, como a pressão dos partidos de oposição ao governo federal que assistem as suas bancadas minguarem, em função do poder de atração de uma gestão governamental e de um presidente da república, que ostentam enormes índices de aprovação. Para isso, contam com a retaguarda de campanhas de moralização da atividade parlamentar desencadeadas pela grande mídia contra o congresso nacional, Campanhas parciais, por que quando os seus interesses estão em debate, como a aprovação de um novo marco regulatório para as telecomunicações, ou das regras para a implantação da TV digital no país, essa mesma mídia moralizadora se vale das aleivosias que denuncia em sua campanhas

Algo para o qual nem a grande mídia, na sua recente campanha, desencadeada a partir da eleição de Lula, em 2002, o nem o poder judiciário atentaram, durante um período não tão distante assim, onde houve comprovada compra de votos para a aprovação da emenda constitucional, que permitia a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, e quando já se exercia o costumeiro troca troca de partidos.

Como diz o ditado popular, "o uso do cachimbo deixa a boca torta". Até onde pode ir esse afâ legislativo do poder judiciário? Contribui para o avanço da democracia no país um poder sobejamente mais democrático, transparente e plural, renovável a cada quatro anos pela vontade - não tão livre como seria desejável -do eleitor brasileiro, seja rotineiramente sobrepujado por outro que nem de longe ostenta tais credenciais de representação, claro que não? Será que a instituição de um governo federal com outra composição política, erigido por uma eventual vitória de uma candidatura dos partidos de oposição ao governo atual, manterá acesa essa chama moralizante da grande mídia e das principais cortes do poder judiciário?

Enfim, a resposta a essa última indagação só poderá ser de conhecimento público ao final do ano de 2010. Mas o que deve ser alertado ao senso comum é que para ser discutido a sério a instituição da fidelidade partidária, deve se atacar as origens da infidelidade, numa reforma política que persevere pela aprovação do financiamento público de campanhas e proíba o privado, pelo voto em lista fechada e pré-ordenada e pelo fim das emendas individuais ao orçamento da União. Com a primeira se garante, entre outras coisas, uma disputa eleitoral mais equilibrada e programática, com a segunda você acaba com o troca troca de partidos, já que estes se tornam o detentores de fato dos mandatos - e podem ser criados, por regras internas dos partidos ou previstas em lei, mecanismos de mediação para tratar das divergências doutrinárias e programáticas - e com o terceiro você fortalece as bancadas e os partidos, elimina a fragmentação da representação parlamentar e reduz o poder de pressão dos aparatos públicos e privados sobre as casas legislativas.

Mas tal reforma não é assunto para um poder restrito e elitista como o judiciário, mas no bojo de um processo político que deve ser liderado pelo congresso nacional ou por um poder constituinte, de preferência que garanta ampla participação popular na sua constituição e na elaboração de uma reforma política, que elimine parcial ou totalmente os gargalos do sistema de representação parlamentar brasileiro, e não apenas ofereça respostas parciais e insatisfatórias, para demandas conjunturais resultantes de moralismos matreiros.
NR.: O presidente da Câmara Federal, o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), tomou a atitude mais sensata ao reagir de forma dura as pressões do presidente do TSE, ministro Ayres de Britto, para que aquela Casa apresse o processo de cassação dos depútados que mudaram de partido. Alguém precisa barrar essa sanha autoritária do poder judiciário, e a atitude de Chinaglia vai ao encontro desse objetivo. Em qualquer país que se pretenda ou se reivindique democrático, a cidadania não deve tolerar que o poder judiciário se sobreponha aos demais poderes, cuja a representatividade é emanada pelo voto popular.

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