O poder, quando corrompe
Silvio Berlusconi já não vive dias tão felizes. As eleições administrativas realizadas na Itália entre os dias 15 e 16 não favoreceram o seu partido ousadamente chamado Povo da Liberdade.
Praças importantes ficam nas mãos de prefeitos de centro-esquerda e a maior surpresa vem de Milão, a cidade do premier, onde a sua candidata, Letizia Moratti, em busca de reeleição, sai para o segundo turno em desvantagem em relação ao seu adversário, Giuliano Pisapia, esquerdista convicto.
Para tão fervoroso apaixonado pelo poder como Berlusconi, intérprete da ditadura da maioria a enxergar na oposição parlamentar e na Justiça que cumpre seu papel democrático a derradeira manifestação do comunismo, votos são combustível indispensável. Desta vez a colheita encolheu bastante ao registrar derrotas que pareciam impossíveis, de sorte a justificar quem fala de novo na antecipação das eleições políticas.
Berlusconi empenhou-se a fundo na campanha, mas sua retórica, mesmo exposta por uma rede maciça de televisão, não teve o efeito habitual junto a quantos ao elegê-lo envergonharam a Itália não menos do que ele. É lógico supor que as últimas desastradas façanhas do casanova da política italiana pesaram na balança eleitoral. Berlusconi é exemplar perfeito de quem se lambuza no poder. Porta-se como um sultão e se exibe suas fraquezas não é somente por obra de uma forma de jactância infantil, mas também, e sobretudo, porque certo de que tudo a ele é permitido.
Há nuances entre um abuso de poder e outro. O caso Strauss-Kahn, ao menos segundo meus reflexivos botões, é bem diferente. Antes de mais nada, dizem eles, como figura proeminente da política e da economia, ao contrário de Berlusconi, Strauss-Kahn é competente, e muito, e cogita de interesses bem diversos daqueles buscados pelo premier italiano. Que sempre se tratou de um sedutor era sabido, mas seus últimos lances donjuanescos chegam a revelar um traço doentio. Antes de explorar as benesses do poder, ele é vítima de si mesmo, e vai pagar caro por isso.
De outra natureza ainda é o caso do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, de características tipicamente nativas, de uma sociedade do privilégio vocacionado para a predação. O ex-ministro da Fazenda milita em uma categoria que no Brasil apresenta dimensões e tonelagem excepcionais. Os botões, insistentes, me levam a recordar personagens que influenciaram a política econômica brasileira nas últimas décadas, e ficaram ricos, melhor, riquíssimos, depois de deixarem seus cargos. Estabelecidas sólidas cabeças de ponte dentro dos gabinetes governistas, venderam a peso de ouro conselhos abastecidos pela chamada inside information. O próprio Palocci incumbe-se de desfiar um rosário de nomes ilustres que o precederam neste gênero de atividade. Sustenta, impávido, a seguinte tese: se eles pecaram, por que não eu?
A despeito de comportamento tão desarmado, não faltam elementos de surpresa, a começar pelo fato de que este desabrido pessoal fala de centenas de milhões como se fossem bagatela em um país tão desigual quanto o nosso. Capaz, contudo, de incluir quatro ricaços na lista dos cem mais enquanto não há um sequer a representar vários países do chamado Primeiro Mundo. Mas Palocci é um ex-trotskista, militante de um partido que até hoje se pretende de esquerda. E não falta quem acredite…
O desfecho do presente enredo é até imprevisível, mesmo porque o instituto da impunidade continua em pleno vigor. Neste exato instante, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cesar Peluso, se empenha em busca de um caminho para agilizar a Justiça brasileira.
É esforço louvável nesta nossa terra, onde os ricos não costumam correr o risco de ir para a cadeia e onde um criminoso comum como Cesare Battisti ainda espera pelo asilo político, concedido por um Estado disposto a assinar um Tratado de Extradição com a Itália sem confiar na Justiça deste país, e até a condená-la.
Aliás, o próprio Berlusconi a ataca sem quartel. Meus botões malignamente sugerem que talvez o premier italiano tenha alguma peculiar semelhança com variados esquerdistas brasileiros.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
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