quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

LULA É ENTREVISTADO PELO BAFAFA

Entrevistas
Foto: Agência Brasil

Exclusivo: Lula fala ao Bafafá
“Acho que realizei muito mais do que prometi”


Em entrevista exclusiva ao Bafafá, o presidente Lula faz um balanço de seus oito anos de governo. Apontado como um dos maiores estadistas do século XXI, o mandatário do Brasil tem confiança no futuro: “O Brasil, ainda nesta década, será a quinta maior economia do planeta”, prevê.

O presidente rebate as críticas de que os programas sociais seriam um peso excessivo para o País e sustenta que, ao contrário, esses programas tem sido um dos motores do desenvolvimento econômico. Revela seus sonhos de uma sociedade sem discriminações, pela cor da pele, pelas crenças religiosas, pelas opções sexuais. “Sonho, também, com um mundo sem armas nucleares”, afirma. Ele ressalta ainda outros resultados alcançados, como a redução dos desmatamentos e das emissões de carbono, da criação recorde de empregos, da política externa independente. E fulmina: “Acho que realizei muito mais do que prometi.”

Presidente, no final destes oito anos de mandato, qual é a marca do seu governo que o senhor considera a principal?

Presidente Lula – Eu tenho pra mim que a principal marca do meu governo foi o fato de que governamos para todos os brasileiros, sem discriminações. O Brasil, de uma maneira geral, sempre havia sido governado para apenas um terço da sua população. O restante, ou seja, a grande maioria do povo não interessava aos governantes, era considerada um peso, um estorvo, e ficava alijada de todas as políticas públicas. Nós, ao contrário, desde o início decidimos que só fazia sentido governar se fosse para todos, sobretudo para os mais pobres, que são aqueles que mais necessitam do Estado. Para nós, a parcela antes excluída, em vez de representar um peso, significava energia e potencial, ou seja, uma alavanca para o desenvolvimento. Além do mais, antes, as diretrizes eram definidas quase que exclusivamente pelas áreas técnicas e pelos dirigentes dos ministérios. Sem abrir mão do papel imprescindível do Parlamento, nossas principais propostas foram formuladas em conjunto com representações dos movimentos sociais, através de conferências, conselhos e mesas de diálogo. Realizamos, nos últimos oito anos, nada menos que 73 conferências que começaram nos municípios, afunilaram para encontros estaduais e depois convergiram para encontros nacionais em Brasília. Nas várias etapas, participaram mais de 5 milhões de pessoas. Os conselhos também cumpriram uma função importantíssima na formulação de políticas públicas. Em relação às mesas permanentes de diálogo, cito como exemplo a que estabelecemos com as centrais sindicais e que resultaram na fórmula de reajuste que está valorizando como nunca o salário mínimo. Veja que, desde 2003, o salário mínimo e o piso previdenciário, que são recebidos por 45 milhões de trabalhadores da ativa e aposentados, tiveram reajuste real, ou seja, acima da inflação, de 72%.

Os aumentos reais do salário mínimo e os programas sociais, como o Bolsa Família, não são uma carga muito pesada para a economia brasileira?

Presidente Lula – Muito pelo contrário. A política de valorização dos salários, aliada aos nossos programas sociais, capitaneados pelo Bolsa Família, estão sendo uma das molas do crescimento econômico. Nós invertemos a lógica de tempos atrás, em que se dizia que o bolo (da economia) primeiro precisava crescer bastante para depois ser dividido – e nunca era. Nós estamos distribuindo para crescer. Quem recebe os benefícios de programas como o Bolsa Família não aplica em fundos de investimento ou ações, nem compra dólares. Com o consumo imediato, o dinheiro volta a ser injetado na economia, criando uma espécie de jogo de dominó ao contrário, em que as últimas peças se levantam e acabam levantando todas as outras. O beneficiário compra do pequeno comércio, que compra do grande, que demanda da indústria e do setor agropecuário, num movimento que se espraia por toda a economia. Relaciono como resultados a redução para menos da metade do número de pessoas que convivem com a fome e a ascensão social de mais de 37 milhões de pessoas. O dado concreto é que toda a sociedade se beneficiou. Quando os mercados externos se fecharam, durante a crise financeira internacional, as empresas se voltaram para o mercado interno, que estava extremamente fortalecido. Em 2009, no auge da crise, quando havia retração do consumo em grande parte dos países, provocando quebradeira de empresas, o volume de vendas no Brasil, na contramão da tendência mundial, cresceu 5,9%.

Nestes oito anos, o governo atravessou diversas crises, algumas reais, outras artificiais, ou então amplificadas por parte expressiva da imprensa. Qual foi o momento mais difícil, mais delicado que o senhor enfrentou?

Presidente Lula – Foram vários momentos, sobretudo pela maneira como as coisas eram divulgadas. Mas o mais difícil para mim foi quando aconteceu o acidente com o avião da TAM. Apresentadores de televisão chegaram a dizer na TV, enquanto era exibido o incêndio provocado pelo choque da aeronave, que o governo tinha matado 200 pessoas. Isso foi o que mais me doeu, que mais me magoou. Em alguns canais, os apresentadores diziam que era mais uma calamidade provocada pelo governo Lula ou mais um crime do apagão aéreo. Naquele momento, esses veículos, por conta própria e sem qualquer investigação, já estavam apontando culpados e condenando sumariamente os supostos responsáveis. Isso, enquanto o aparelho e o prédio ainda estavam em chamas, muito antes, portanto, de se abrir a caixa preta. Hoje, já ficou provado que a causa principal foi um dos manetes estar em posição incorreta, de aceleração, o que ocorreu por erro humano ou por falha técnica. Parece até que os casos do Bar Bodega e da Escola Base, de São Paulo, em que inocentes foram julgados e condenados sumariamente pela imprensa, não serviram para absolutamente nada. A irresponsabilidade beirou a loucura. Eu tive que convocar uma cadeia nacional de rádio e TV para me solidarizar com as famílias naquele momento de dor, para pedir calma e para informar que estávamos colocando todos os órgãos afins para iniciar a apuração das causas do acidente. Informei que todas as hipóteses seriam examinadas, como foram efetivamente.

Presidente, quando foi eleito, o senhor imaginava fazer tudo o que fez nesses oito anos?

Presidente Lula – Confesso que não. Quando assumi, eu pensava na quantidade de problemas acumulados, no enorme abismo das desigualdades sociais e regionais, na fome, nas doenças, além de ter que enfrentar forças que tradicionalmente sempre tentam puxar o Brasil para trás. Mas a minha tensão passou há muito tempo e eu me tornei uma pessoa autoconfiante, graças ao apoio maciço e à extraordinária confiança que o povo deposita em mim. Acho que consegui realizar muito mais do que havia prometido e do que havia sonhado no início. Na minha opinião, os resultados foram excepcionais e as pesquisas de opinião mostram que a grande maioria da população também aprova o que foi feito. Minha autoestima está muito mais elevada e estou plenamente convencido de que a de todos os brasileiros também está, o que é fundamental. Hoje, o brasileiro sente orgulho do seu País. Diante das políticas bem-sucedidas de inclusão social, da redução drástica dos desmatamentos e das emissões de carbono, diante do êxito no enfrentamento da crise financeira internacional, dos altos índices de crescimento econômico e da criação recorde de empregos, diante da política externa independente e de defesa vigorosa do diálogo e da paz, o Brasil tornou-se respeitado como nunca no exterior. Todos que viajam para fora voltam impressionados com a admiração que os estrangeiros passaram a sentir pelo nosso País e pelos próprios brasileiros.

Eu vou fazer uma pergunta, agora, que costumo fazer para todos os entrevistados: o senhor tem alguma utopia?

Presidente Lula – Olha, Ricardo, pra ser franco, eu tenho várias. Por exemplo, eu sonho com um mundo sem nenhum tipo de preconceito. O preconceito é uma doença que precisa ser erradicada. Eu desejaria que um dia, como disse o pastor Martin Luther King, os homens viessem a ser julgados apenas pelo seu caráter e não pela cor de sua pele. Acrescento: que não sejam julgados também em função da sua confissão religiosa, do seu local de nascimento, da sua etnia, da sua identidade sexual. Essa é a minha principal utopia, que todos aceitem com naturalidade as diferenças. Mas eu sonho também com um mundo sem armas nucleares, aliás, sem nenhum tipo de armas. Gostaria imensamente que os países que estocaram arsenais nucleares dessem o exemplo ao resto do mundo, desativando suas próprias armas. Quando algum país tenta desenvolver armas nucleares, ou parece tentar, os que já têm armas se levantam. Mas eles não fazem o dever de casa, ou seja, não cumprem o que determina o Tratado de Não-Proliferação Nuclear que, em seu art. VI, prevê a redução gradativa dos arsenais. Sonho com um mundo sem fome, em que todos tenham direito a fazer três refeições por dia, tenham direito a estudar, a trabalhar e a receber um salário digno, a viver em liberdade, um mundo de solidariedade e de igualdade. Sonho com o dia em que não haja mais poluição, em que tenhamos um planeta sadio, produzindo apenas os meios de sobrevivência e nunca mais os meios de destruição. E eu tenho a convicção de que, embora seja praticamente impossível conseguir, devemos empregar nossas energias em perseguir esses objetivos, devemos seguir nessa direção. Tenho a certeza de que podemos não chegar lá, mas que daremos passos muito importantes no rumo certo.

Presidente, gostaria que o senhor enviasse uma mensagem final aos nossos leitores. Antes, quero aproveitar para agradecer a sua gentileza de atender democraticamente um veículo alternativo, como é o caso do Bafafá.

Presidente Lula – A minha mensagem é de muita confiança no futuro. Nos anos 1994 e 1995, o Brasil era a 7ª maior economia do mundo, segundo estudos do FMI. A partir daí começou a cair, até se tornar a 12ª entre 2002 e 2004. Nós demos início ao processo de recuperação. Agora, em 2010, ultrapassamos mais um país, a Espanha, e nos tornamos a 8ª maior economia. No ano que vem, segundo projeções divulgadas recentemente também pelo FMI, voltaremos a ser a 7ª maior economia do mundo. E eu estou convencido de que, ainda nesta década, conquistaremos o posto de 5ª maior economia do planeta. Mais animador ainda é constatar que a inclusão social, em vez de significar uma carga pesada, tem sido, ao contrário, uma das molas desse crescimento econômico. Aliás, é a primeira vez, nos últimos 50 anos, que estamos combinando crescimento econômico com democracia política e inclusão social. E o progresso de um país não deve ser medido apenas pela pujança da sua economia, mas também, e principalmente, pelo seu capital humano. Deixo a Presidência com o sentimento de missão cumprida. Governei para 190 milhões de brasileiros e isso tornou o Brasil mais forte, mais próspero, mais justo. Esse padrão veio para ficar.

Entrevista concedida ao editor do Bafafá, Ricardo Rabelo, através da intermediação do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, e do assessor especial da Presidência, Márcio Bueno.

Fonte: Bafafa On Line

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Flávio, eu ando tão emocionada com os últimos dias do governo LULA que já nem sei mais o que dizer, a não ser que ele me ensinou muita coisa, a principal delas, a ser tolerante e mais pragmática, para que possa ajudar a muitos a ser o que poucos conseguiram.
Bjs.
Regina Almeida(lulista convicta)