quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CHINA E BRASIL, E OS DIFERENTES CAMINHOS

Quem tem medo da China?

Wladimir Pomar

Recente fórum econômico apresentou teses interessantes sobre a “invasão chinesa” no Brasil, procurando dar sustentação “científica” à pregação do presidente da CSN e da FIESP contra os investimentos de empresas chinesas no Brasil. Isto, no momento em que a China adota medidas para elevar suas importações dos países com os quais detém altos saldos comerciais.

Segundo tais teses, desconectadas da conjuntura e da história, o Brasil estaria sofrendo derrotas nas trocas mercantis e perdendo mercados para os chineses. A China teria vantagens competitivas imbatíveis, com seus baixos salários e empresas estatais que não precisariam ter lucros. Além disso, os chineses não respeitariam regra alguma, nem mesmo os artigos do FMI, que vetam a manipulação cambial.

As políticas industriais, cambiais e comerciais chinesas não estão erradas. A China faz apenas o que qualquer país que quer crescer faz. O problema é que o Brasil continua amarrado a políticas de juros e cambial que muitos países abandonaram como prejudiciais, independentemente da opinião do FMI.

Por outro lado, 97 países membros da OMC reconheceram o status de economia de mercado da China. Nessas condições, não passa de engano infantil afirmar que o déficit comercial do Brasil com a China seria decorrência do Estado brasileiro não fiscalizar a entrada de mercadorias subfaturadas e por não saber aplicar medidas antidumping ou de salvaguardas contra os chineses.

Ações antidumping, movidas na OMC por países como Estados Unidos, França e outros, têm sido derrotadas pelo fato dos preços chineses não serem ilegítimos. Ou os economistas e empresários nacionais se convencem disso e adotam medidas competitivas para enfrentar a concorrência chinesa no campo econômico, ou tenderão a bradar por medidas protecionistas que desmentem sua opção pelo “livre mercado”.

Diante da queda do saldo do comércio externo de bens manufaturados de US$ 5,1 bilhões positivos para um déficit de US$ 60 bilhões, qualquer capitalista empreendedor deveria se perguntar o que está fazendo de errado. A mola da competição capitalista não é o choro pelo concorrente inovar e vender mais barato, mas a decisão de ultrapassá-lo em produtividade e preço.

A China recebe, em investimentos diretos estrangeiros, cerca de 60 bilhões de dólares por ano. Investimentos destinados a instalar empresas privadas, como as 500 grandes corporações internacionais que produzem e vendem no mercado chinês. As 15 maiores redes comerciais de varejo da China são estrangeiras e o número de empresas privadas estrangeiras operando na China é superior a 100 mil.

De outro lado, a China possui 159 empresas estatais de âmbito nacional e mais de 10 mil de âmbito provincial e municipal. As grandes empresas privadas chinesas somam mais de 100, enquanto as empresas médias e pequenas nas áreas urbanas somam mais de 5 milhões, e nas áreas rurais cerca de 20 milhões. Cerca de 57% do que a China produz é proveniente de empresas privadas.

É verdade que as empresas chinesas podem contratar engenheiros a US$ 400 por mês. Primeiro, porque ela forma cerca de 38 mil engenheiros a cada ano. Depois porque, pela paridade de poder de compra, 400 dólares na China podem corresponder a cerca de 3 mil reais no Brasil. Economistas e empresários deveriam saber a diferença entre salário nominal e salário real.

A China produz numa escala que poucos países no mundo conseguem. E possui uma logística que rebaixa os custos de transporte. Tentar enfrentar essas vantagens competitivas por via administrativa ou política e não por via econômica, é perseverar no erro de creditar o “custo Brasil” apenas aos encargos trabalhistas, impostos, juros e câmbio, sem enxergar a parcela de responsabilidade da sua incorreta e esfacelada matriz de transporte.

O único terreno em que a questão da concorrência chinesa pode ser enfrentada é o econômico, mesmo que o Estado ajude. Nesse sentido, vale a pena conhecer o próprio exemplo dos chineses. Na sua abertura econômica, não tiveram medo de chamar seus antigos inimigos políticos e econômicos para implantar indústrias em seu território. Nem de ter déficits comerciais por mais de 5 anos, para importar os bens de capital necessários para seu salto industrial.

A China, mesmo paulatinamente, abriu todo o país à concorrência internacional. Porém, estabeleceu estratégias para sua industrialização. Aumentou a presença e a musculatura tecnológica das empresas privadas nacionais. Extinguiu os monopólios e reformou suas indústrias estatais para se tornarem lucrativas. Consolidou seu mercado de consumo para enfrentar turbulências internacionais. E entrou agressivamente nos segmentos do mercado internacional que lhe permitiam estabelecer canais para futuras incursões.

Se, ao invés de aproveitar esses exemplos, o Brasil for levado a barrar a entrada dos investimentos chineses, será necessário que mude sua legislação e rompa com as regras da OMC e a Carta da ONU. Afinal, é difícil considerar os chineses fora da categoria de “investidores estrangeiros”. E seria um absurdo retomar, como política de Estado, o racismo contra o “perigo amarelo”.
07/09/2008

Wladimir Pomar é escritor e analista político

Nenhum comentário: