sábado, 10 de julho de 2010

DEBATE: NELSON MOTA E TIM RESCALA SOBRE DIREITO AUTORAL E O PAPEL DO ECAD


Esquenta o debate sobre Direito Autoral

Uma política pública legítima deve ser democrática, debatida e pactuada com a sociedade. A consulta pública para modernização da Lei de Direito Autoral (www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral) está provocando um acirrado debate nos meios de comunicação. Fora a realização de encontros e seminários organizados por instituições da área cultural e universidades.

É o que se espera, que as idéias circulem ampla e livremente e desse aprofundamento da discussão resulte, onde for possível, a formação de consensos. A publicação nos jornais O Globo e O Estado de São Paulo de um artigo do compositor Nelson Motta criticando o anteprojeto apresentado pelo governo federal mereceu imediata resposta do maestro e compositor Tim Rescala. Para contribuir com o debate, estamos divulgando os dois textos que expressam opiniões divergentes a respeito do tema. A réplica e a tréplica e outras opiniões você pode encontrar no blog e-trabalho de Arakin Monteiro.

Harmonias e Dissonâncias

De NELSON MOTTA para O Globo e O Estado de São Paulo

Todos gostam de música, muitos fazem dinheiro com ela, ninguém imagina a vida sem ela, mas como os seus criadores podem viver do seu trabalho? O assunto interessa não só aos compositores, porque envolve liberdade de associação e de expressão, quando se discute se o Estado deve participar da arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil.

Aqui, a arrecadação é feita por um escritório central, o ECAD, criado, administrado e controlado por sociedades privadas de autores musicais, como a UBC, SICAM e outras. O ECAD cobra direitos dos que usam as músicas para ganhar dinheiro com elas (rádio, TV, shows, festas, publicidade, clubes) e os repassa às sociedades, que os distribuem entre seus autores, proporcionalmente à quantidade de execuções públicas de cada música no período monitorado.

É um sistema correto e efetivo, que dá a cada um a sua parte pela utilização comercial de sua criação. Nos Estados Unidos e na Europa funciona muito bem. Se aqui há falhas, falcatruas ou ineficiência, o problema é de gestão e fiscalização, e deve ser resolvido entre o ECAD e as sociedades que representam os compositores, intermediados pela Justiça. O Estado não entende nada disso, e já morde 25% de impostos sobre direitos autorais sem tocar uma nota.

Quando se canta o velho refrão de uma sociedade arrecadadora estatal, ouve-se cabide de empregos, aparelhamento partidário, altos custos e burocracia. No mundo moderno, as sociedades de autores são empresas comerciais, que fazem tudo para ganhar o máximo de dinheiro para seus associados. Como qualquer empresa, competem no mercado, buscam eficiência administrativa, novas tecnologias, prestam contas, são auditadas, podem ser processadas e liquidadas legalmente. O que é que o Estado tem a ver com isso?
Pode soar como pleonasmo ou redundância, mas é uma evidência: quem tem a autoridade é o autor, quem criou é que decide o que se faz ou se deixa de fazer com a sua criação.
Cabe à Justiça julgar os conflitos com base na legislação (que precisa ser modernizada), e ao Estado, garantir os direitos e o cumprimento da lei. Já é muito.

Meu caro Nelsinho

Por TIM RESCALA

Com certeza suas intenções são boas ao tentar fazer coro em defesa do ECAD. Devo, porém, pelo apreço que tenho por você e por sua história, e pelo bem da verdade, alertá-lo que você está comprando gato por lebre. Pior. Está passando o gato adiante.

Se você acha que o ECAD é a maravilha que você apregoa, sugiro que dê uma lida no relatório final da CPI do ECAD , promovida pela ALESP no ano passado. Ela não só apurou e confirmou uma série infindável de irregularidades, como também produziu um documento profundo sobre a questão. Sugiro que o leia.

Posso também te fornecer textos dando conta de como o ECAD realmente funciona. Num deles, chamado o Jabá “Latu Sensu”, cito trechos das ATAS de assembléias, onde uma sociedade acusa a outra de ilícito criminal. Há uso de créditos retidos para pagar deficits, acordos para pagamento de percentuais aos diretores em vitórias judiciais , maquiagem de balanços e por aí vai. Para você isso pressupõe um sistema correto e efetivo?

Você sabia que das 10 sociedades que integram o ECAD só 6 têm direito a voto? Tem curiosidade de saber por quê? Sabia que elas têm que pagar um tributo interno?

Se não arrecadarem 50 salários mínimos por mês passam a dever ao ECAD. Viu como são dois pesos e duas medidas ? Por que será?

Você diz que o estado morde 25% dos direitos autorais sem tocar uma nota. Você está pregando o quê ? Que não se recolha o imposto de renda? Por qual razão? E os administradores desses mesmos direitos? Estes sim mordem 25% do faturamento bruto, também sem tocar nenhuma nota: 8% para as sociedades e 17% para o ECAD, ou seja, o autor é garfado duas vezes. Para quê?

Você diz que as empresas competem no mercado? Ora, competem com quem, se estas detêm o monopólio de arrecadação e distribuição? Que livre iniciativa é essa?

Saiba que o estado está presente em todas as entidades de gestão colectiva do mundo. TODAS. Só no Brasil é diferente. E isso não tem o menor sentido. O ESTADO, não o GOVERNO.

A diferença entre a administração neste caso, se privada ou estatal, está na possibilidade do cidadão comum ter chance de ter sua voz ouvida. Do estado um cidadão lesado por se queixar. de uma empresa privada, que não deve satisfações a ninguém, não. Será sempre uma formiga se queixando de um elefante.

O ECAD vive alardeando que seu principal problema é o alto nível de inadimplência. Não é, mas consideremos que seja. Pois com a presença do estado esse problema vai diminuir e muito, pois aí não será uma empresa privada a cobrar do usuário, será o estado, como tem que ser.

O panorama atual mostra que a grande maioria da classe autoral que vive de direitos autorais reclama que recebe pouco. Os usuários, que devem pagar ao ECAD, reclamam que pagam muito. Já o ECAD comemora, ano após ano, recordes de arrecadação. Não te parece que há algo errado?

Um compósito como remo Usai, por exemplo, o Emnio Morricone brasileiro, autor da música de mais de 150 filmes, com vários sendo reexibidos regularmente na TV, passou a receber, por obra e graça do ECAD, pagamentos de R$ 0,02. Como é possível uma coisa dessas? O que um artista como ele, já com 82 anos, pode achar de um sistema autoral capaz de produzir uma aberraçnao dessas?

E você não acha estranho que haja uma cobrança implacável de academias, bares, restaurantes, sem que haja a exigência de se comunicar que músicas foram tocadas? Ora, se é obrigatório pagar por quê não é obrigatório receber?

Por isso, Nelsinho, sendo você um compositor, mas também um jornalista, sugiro que ouça o outro lado da história, ou seja, os inúmeros compositores que, como eu, foram lesados pelo ECAD. Eu cheguei a ser roubado dentro de uma sociedade, tendo minhas obras editadas sem minha autorização por um funcionário. Sabe o que aconteceu? Nada. Simplesmente perdi meu dinheiro.
Atualmente só nos resta ir à justiça. Com o Estado presente isso vai acabar, pois este vai arbitrar em situações de litígio, como acontece no mundo todo. Repito: no mundo todo!

Você sabe em quantas ações na justiça o ECAD é personagem? O número já chegou a sete mil. Se o ECAD tem o monopólio para arrecadar, distribuir, aplicar multas e fixar o peço, não te parece que este é um número que precisa ser investigado? Eu creio que sim. Por quê será que o departamento jurídico do ECAD é um dos que mais recebem investimentos? Já parou pra pensar nisso?

O que um compositor atento e consciente tem que fazer hoje é apoiar o projecto de reforma proposto pelo MinC, que foi feito de forma séria, ouvindo todas as partes envolvidas e dando voz, inclusive, ao ECAD e a todas as suas sociedades.

Não adianta tentar desviar o a atenção da discussão central, politizando o debate, como se a proposta do MinC fosse de dirigismo cultural. A proposta é séria, muito bem elaborada, e atende aos anseios da classe autoral.

O que o ECAD teme é a fiscalização, ao contrário de todas as outras entidades de gestão colectiva, que convivem com ela muito bem. Se o ECAD age corretamente, por quê então tem tanto medo de ser fiscalizado?

Direito autoral no Brasil, Nelsinho, não é para amadores. Mas se você quer promover um debate, uma discussão séria sobre o assunto, estou a sua disposição, sempre munido de documentos do próprio ECAD para ilustrar e comprovar o que digo.

Como já estou sendo processado pelo ECAD por dizer o que penso, será mesmo uma óptima oportunidade. Posso representar a AAPE, Associação dos Autores Processados pelo ECAD. Estamos sempre abertos a novos associados, ao menos até que o MinC consiga botar ordem nesta casa.

Com carinho,
Tim Rescala

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