terça-feira, 22 de junho de 2010

PROJETO FICHA LIMPA EM DEBATE (2)

Projeto Ficha Limpa: democrático, legítimo e constitucional

A Campanha Ficha Limpa, longe de se dar num contexto de autoritarismo, se desenrola como uma experiência de profundo exercício democrático. O projeto de lei é apenas parte de uma mobilização que tem como premissa básica a afirmação de que não se deve votar em pessoas que sabidamente irão se valer dos mandatos para desviar verbas públicas.

Projeto Ficha Limpa: democrático, legítimo e constitucional
O artigo “Ficha limpa é projeto demagógico, autoritário e flerta com o fascismo”, de Marco Aurélio Weissheimer, publicado em 18 de maio último neste sítio eletrônico, parte de premissas equívocas e de omissões injustificáveis.

Basta ver que o § 9° do art. 14 da Constituição de 1988 sequer é mencionado. É justamente esse dispositivo que o projeto de lei conhecido como “Ficha Limpa” busca ver observado.

Diz a referida norma constitucional que “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato (...)”.

Ou seja, quem determina que elementos da vida pregressa dos candidatos sejam levados em conta quando da definição de hipóteses de inelegibilidade é a Constituição da República, ninguém menos.

Há muito tempo o Supremo Tribunal Federal reconhece que “inelegibilidade não é pena” (MS nº 22087-2). Inelegibilidade é nada mais que um critério jurídico-político por meio do qual se define negativamente o perfil esperado dos candidatos.

Hoje já estão excluídos dos pleitos parentes e cônjuges de mandatários, e analfabetos. De que seriam culpados? De absolutamente nada. Sua exclusão se dá de forma preventiva porque a lei simplesmente considera inadequadas as suas candidaturas.

É o mesmo que estamos agora defendendo para aqueles que tiveram contra si proferido um acórdão (julgamento de um órgão colegiado) em que se afirmou o cometimento de uma infração penal grave, assim definida segundo critérios objetivos expressamente fixados na lei.

Ditas essas palavras, passamos a considerar algumas graves assertivas contidas no artigo acima referido.

Em primeiro lugar, a Campanha Ficha Limpa, longe de se dar num contexto de autoritarismo, se desenrola como uma experiência de profundo exercício democrático.

O projeto de lei é apenas parte – menor, talvez – de uma mobilização que já dura quase três anos e que tem como premissa básica a afirmação de que não se deve votar em pessoas que sabidamente irão se valer dos mandatos para desviar verbas públicas.

Foram incontáveis as reuniões e seminários em igrejas, associações, sindicatos etc. nas quais as pessoas eram convidadas a se mobilizarem contra a usurpação de mandatos por pessoas envolvidas com a prática declarada de atos ilegais.

Após debaterem o assunto, as pessoas eram convidadas a subscrever um projeto de lei que objetivava regulamentar um dispositivo da Constituição, o já citado § 9º do art.14 da Constituição. Trata-se do manejo de um mecanismo de expressão da democracia direta: a iniciativa popular de projeto de lei prevista no art. 14, II, da CF. O resultado disso foi a conquista de quase 4 milhões de apoios populares individuais, se consideradas as subscrições físicas e on-line.

Essas assinaturas foram então apresentadas ao Parlamento, onde presentemente estão sendo submetidas a um rico debate e a algumas modificações que, a nosso ver, aprimoraram o texto inicial.

É essa a descrição de um caminho autoritário?

O caminho adotado pelo Ficha Limpa é o da mobilização popular, do exercício da democracia direta e da pressão legítima sobre o Parlamento.

Outra acusação contida no artigo de Weissheimer é a de que o conteúdo dessa iniciativa aponta para a descredibilização da política.

Também aqui a realidade é bem diferente. A Campanha Ficha Limpa está conseguindo despertar o interesse pela política por parte de pessoas que já não mais tinham esperanças. Quem descredibiliza a política são os que desviam verbas públicas para si ou para seu partido.

Estamos fazendo o caminho inverso, dizendo que muitos dos espaços abertos pela política estão hoje preenchidos por usurpadores e que é preciso recuperar as bandeiras e ideologias, hoje banidas por um pragmatismo que nivela quase todos os partidos.

Muitos dos mandatos políticos no Brasil não estão sendo preenchidos por “líderes populares perseguidos”, mas por fraudadores de licitações e praticantes de malversação de verbas destinadas à promoção da vida. Isso precisa parar. A diferença entre os que assim operam para financiar seu apartamento em Miami ou para garantir a manutenção do seu partido no poder é exatamente nenhuma.

Também não é verdadeira a afirmação de que a Campanha Ficha Limpa se dá fora do contexto da Reforma Política.

Ela é apenas o ensaio da mobilização popular que será realizada na seqüência: um projeto de reforma do sistema político formulado pela sociedade em conferências populares, como base para uma nova iniciativa popular de projeto de lei.

Aqueles que hoje não são capazes sequer de compreender que a sociedade pode validamente se rebelar contra o domínio da política pelo crime terão em breve muita dificuldade para entender como trabalhadores e trabalhadoras, donas de casa, estudantes, intelectuais e artistas poderão fazer a política mudar de baixo para cima, num movimento democrático radical, consistente e legítimo.

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