09/06/2010 16:17:46
A pré-candidata do PT fala sobre continuidade, drogas, o papel do Estado, reforma agrária e, por que não?, seu novo visual
Um enorme painel da candidata ao lado de seu mentor, o presidente Lula, punhos cerrados no ar, emoldura o cenário da entrevista. Dilma Rousseff posta-se bem à frente da própria imagem. Desconfortável no início com perguntas pessoais, ela se solta aos poucos, enquanto defende as realizações do atual governo e explica o que pretende fazer se eleita. Basicamente, aprofundar o processo de inclusão social que, afirma, não se esgota em um ou dois mandatos. Talvez por isso, ao se referir a uma eventual gestão sua, prefira a palavra “período”. No centro desse “período”, promete, estará o compromisso de levar o País ao clube das nações desenvolvidas, com a erradicação da miséria, o foco na educação e na cultura. “Minha meta é levar nossa população à classe média, no mínimo.”
Dilma não é Lula. É uma discípula, uma aluna. Mas uma aluna aplicada, vê-se. Como nunca disputou eleição, a ex-ministra da Casa Civil replica o “mestre” ao usar o recurso de contar historinhas nas respostas por vezes pouco concisas. Também se percebe na candidata o cuidado de evitar certas polêmicas durante a campanha, o que não inclui fugir às perguntas sobre seu envolvimento na luta armada durante a ditadura. “Tenho muito orgulho de ter resistido do primeiro ao último dia.”
Alvo de seguidas denúncias, nunca comprovadas, desde que Lula anunciou ser ela a sua candidata ao governo, afirma não acreditar que a imprensa brasileira seguirá o exemplo da venezuelana e se tornar cada vez mais hostil diante da possibilidade crescente de permanência do PT no poder. Por ser contraproducente. “De que adianta? Mais do que somos criticados, e daí?” Na entrevista, a pré-candidata disse ser contra a descriminalização das drogas, defendeu a reconstrução do Estado e repeliu os estereótipos. “Nunca me senti uma pessoa infeliz. Não sou carente, sou alegre.”
CartaCapital: Neste ano, o Brasil pode escolher a primeira mulher presidente. Faz diferença?
Dilma Rousseff: Faz toda a diferença, porque tem uma história de poucos direitos para as mulheres. Até o direito de voto para as mulheres é muito recente no Brasil, menos de cem anos. E ainda têm grandes desigualdades, que vão desde – apesar de as mulheres terem maior nível de escolaridade – ganhar dois terços do salário dos homens até o fato de existir violência familiar contra a mulher. Outro dia aproximou-se de mim um casal jovem, o rapaz carregava um menino de uns 3 anos, e a mulher, uma moça loira, vinha com uma menina, de vestido comprido, bonitinha, cabelo encaracolado. Chamava Vitória. E a mãe falou assim: “Eu trouxe a Vitória para que você diga a ela que as mulheres podem, que mulher pode”. Eu olhei pra Vitória e perguntei: ‘mulher pode o quê?’ E ela: “ser presidente”. Eu disse: ‘Vitória, mulher pode ser presidente. Porque isso faz parte do sonho que toda criança tem: quero ser pirata, toureiro. Mas também pode querer ser presidente e mulher nunca quis. Uma menina que quer é sinal dos tempos. E ela se chama Vitória, achei simbólico’.
CC: Mas existe um modo feminino de governar?
DR: Tem um modo feminino inegável na vida privada. Nós cuidamos, providenciamos e incentivamos. É interessante levar isso para a vida pública. Vou contar outra historinha. Foi uma senhora, de seus 50 anos, a um sindicato, muito incomodada com a oposição homem e mulher. E ela sintetizou o problema da seguinte forma: “Somos 52% da população, mas os outros 48% são nossos filhos. De maneira que, se formos presidentes, fica tudo em casa. Ou seja, damos conta de cuidar das mulheres e dos homens, até porque a nossa relação com os homens não é de oposição. O olhar feminino não é excludente”.
CC: Já foi, nos primórdios do feminismo.
DR: Talvez no começo, porque, sempre que se afirma alguma coisa, torna a diferença muito forte. A mulher, para ter consciência de que era discriminada, teve de fazer esse movimento. Mas não acredito que, hoje, esse seja um processo que crie diferenciação, desigualdade. Nenhuma política feminina é uma política anti-homem.
CC: Curiosamente, a senhora tem avançado menos no eleitorado feminino. Por que acha que isso acontece?
DR: Acho que tem razão o (cientista político) Marcos Coimbra. Ele fez uma avaliação correta: há o fato de a mulher não ter tanto acesso à informação quanto o homem. Muitas ainda não me conhecem. Quando se separa o universo das mulheres que me conhecem e as que conhecem o outro candidato, eu tenho mais aprovação do que ele.
CC: A senhora falou da menina que queria ser presidente, mas costuma dizer que este nunca foi um sonho seu. Agora que é candidata, acalenta algum projeto?
DR: Caminhar para que este seja um país desenvolvido. Foi o que o presidente Lula construiu e que a gente pode fazer.
CC: Se formos resumir, a marca do governo Lula é a inclusão. Qual seria a marca de um governo Dilma?
DR: Por que não pode ser a da inclusão também? Essa ânsia de novidade encobre uma questão seriíssima: este ainda é um país emergente, com um grau grande de desigualdade, e que pode, a partir de agora, porque acumulamos um conjunto de conquistas, trilhar o caminho do desenvolvimento. E isso não pode ser só com uma taxa de crescimento do PIB determinada, uma política de estabilidade macroeconômica. A minha meta é erradicar a miséria, levar nossa população, os mais pobres, à classe média, no mínimo. Isso é um projeto de desenvolvimento, mas eu também tenho um projeto de Nação. Este país não transitará para uma economia desenvolvida se não tivermos educação de qualidade, estando no centro da educação o professor, que tem de ter salário digno. Quem fala em educação de qualidade e não fala do professor está jogando pérolas aos porcos. Todo mundo diz que temos um bônus demográfico, que a nossa população em idade ativa é maior do que a população dependente, isto é, crianças, jovens e idosos. Outro dia fui brincar que o conceito de idoso estava mais flexível, porque tenho 62 anos e não sou idosa, e a imprensa toda deu que eu mexeria na idade da aposentadoria, que mudaria a previdência.
CC: E não será necessário, em algum momento?
DR: Não tem reforma da Previdência. Se você começar a fazer reforma da Previdência, acontece o seguinte: a primeira que fizemos deu uma corrida para a aposentadoria. Acaba criando um efeito contrário ao que se pretende. Mas, voltando, também vamos discutir a nossa cultura, a política cultural ocupará um espaço cada vez maior nesse processo. Não podemos permitir que não existam salas de cinema na periferia do Brasil, que o povo não tenha acesso a bibliotecas, à sua própria cultura.
CC: Em suma, vai ampliar o que foi feito durante o governo Lula?
DR: Não falo de só ampliar, não, falo de avançar. Se não avançar, não está continuando. O que o Lula construiu para o futuro? Um alicerce. Saímos de uma situação mais drástica, que foi a que nós recebemos do governo. Vamos relembrar bem: era uma situação de estagnação, desigualdade e desemprego. Podem falar o que quiser. Olhem estatísticas, meus filhos. E entramos numa era de prosperidade, que tem vários componentes: não é só inclusão, é mobilidade social, que significa que as pessoas podem subir na vida. É transformar as vantagens comparativas em competitivas, explorar as matrizes energéticas, o pré-sal, dar força à agricultura. Não somos aqueles países que têm petróleo e têm a maldição do petróleo, a pobreza no meio da abundância, o povo pobre e a riqueza do petróleo. Temos uma economia diversificada. Se a gente apostar na educação, vamos inovar também. Não se cria oportunidade no Brasil se não inovar. Se não formarmos engenheiros, físicos e matemáticos neste país, não vamos crescer adequadamente.
CC: A senhora promete erradicar a miséria em seu mandato. Mas o Ipea fala que erradicar a pobreza extrema só é possível em 2016.
DR: Miserável é quem tem renda de até um quarto do salário mínimo. Pobre é até meio salário mínimo. Em 2003, tínhamos um total de 77,8 milhões de pobres e passamos para 53 milhões no governo do presidente Lula. O contingente de miseráveis em 2003 era de 37,4 milhões e passou para 19,6 milhões. (Vira-se para o braço direito, Anderson Dorneles: – Anderson, dá o meu papel. Já fiz essa conta. Prefiro o meu papel.) Então, a gente tem de buscar eliminar esses 19,6 milhões de miseráveis, mas acho que também temos de olhar os 24 milhões de pobres. Só não digo que será no meu período, nem estou dizendo que será em 2014. Mas, se você não colocar a meta clara e tornar isso um ponto político da pauta, passa batido. Erradicar a miséria está no centro da pauta do projeto de continuidade com avanço do governo Lula.
CC: Mas qual vai ser o caminho? A ampliação dos programas sociais ou o crescimento?
DR: As duas coisas. O aumento da renda em 70% se deve à formalização do trabalho. O fato de manter uma taxa de crescimento e torná-lo sistemático formaliza o trabalho. Mas quem ganha até um quarto de salário mínimo teve programas sociais de dois tipos: tem o de proteção da renda, que é o Bolsa Família, e tem programa social com uma certa perenidade. Exemplo, na área rural, onde se concentra um grande número de miseráveis, fizemos a política de agricultura familiar, multiplicamos por cinco o financiamento, criamos assistência técnica. E teve outro programa que beneficiou a pobreza rural no Brasil, o Luz Para Todos. Não se eleva socialmente ninguém se não olhar para as condições que se pode ter para fazer renda. E uma delas, imprescindível, é energia elétrica. A grande política do meu período é manter essa política rural e chegar a uma questão fundamental: as cidades. As cidades no Brasil são o local das desigualdades. Nas cidades se manifestou o que há de mais perverso no Brasil, a retirada do Estado – aí vale para município, estado e governo federal – das periferias. Uma grande conquista deste governo também foi indicar caminhos. Pega o que está sendo feito no Rio, em Manguinhos, no Alemão, Pavão-Pavãozinho. É a volta do Estado.
CC: Ainda é preciso fazer uma reforma agrária de grande monta?
DR: Tivemos um processo de reforma agrária muito significativo, foram 500 mil hectares. Não é trivial. Ainda tem gente para ser assentada, mas política de assentamento não é só comprar terra. A forma como se fazia assentamento antes era colocar o cara no meio do nada. A agricultura familiar no Brasil deu certo porque tem um suporte no programa de aquisição de alimentos. Tem seguro, garantia à safra, política de preço mínimo. Demos um tecido econômico social, de apoio, à pequena propriedade no Brasil, que responde por 40% da riqueza que se gera no campo.
CC: Mas se uma grande parte da miséria, como a senhora falou, está na zona rural, tem algum problema aí. Talvez tenha faltado reforma agrária.
DR: Vou repetir: não se resolve o problema do campo só dando terra. Tem de dar condições de produzir, sustentar a produção, apoio com assistência técnica, comprar a produção, garantir a comercialização, o acesso ao trator.
CC: A senhora acha que, se o PT vencer as eleições, a mídia tende a se tornar hostil, como ocorre na Venezuela?
DR: A Venezuela não é nem sequer parecida conosco. Lá é uma economia de dois setores, portanto, uma sociedade que tende a refletir dois setores. De um lado, tem o petróleo e, do outro, o resto. É só ver a participação que tem a renda do petróleo na Venezuela, ver a história da Venezuela. É dinheiro que eles não sabem o que fazer com ele, ainda é assim.
CC: Mas a imprensa brasileira, como a de lá, não tende a se tornar hostil a uma permanência a longo prazo do PT no poder?
DR: De que adianta? Qual a eficácia? Mais do que somos criticados, e daí? Qual a nossa aprovação? 76%...
CC: Como a senhora recebe essa acusação, que deve se intensificar durante a campanha, de ter sido “terrorista”?
DR: Tenho dúvidas de que vai se intensificar uma coisa dessas, porque é contraproducente. A discussão sobre a resistência à ditadura é contraproducente para quem não resistiu. Sinto muito orgulho de ter resistido do primeiro ao último dia, de ter ajudado o País a transitar para a democracia e de não ter mudado de lado. É muito interessante a forma como eles entenderam a metáfora que o presidente fez com o (Nelson) Mandela. O que ele falou foi o seguinte: o Mandela, talvez o maior pacifista dos últimos tempos, foi uma pessoa que recorreu à luta armada no país dele, porque não tinha outra solução. Parodiando Tolstoi, que disse que todas as famílias felizes são iguais e todas as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, todas as ditaduras são iguais e todas as democracias são cada uma à sua maneira. As ditaduras têm uma mania muito peculiar que as caracteriza: excluir de forma violenta todos os que não pensam como eles. O que queríamos caracterizar naquele momento era a existência de uma violência de Estado que levou pessoas, nos mais variados locais, a tomar posições firmes diante da ditadura. Eu tomei.
CC: Por que a senhora apoiou a decisão do STF de não rever a Lei da Anistia?
DR: Eu sou a favor da legalidade. O Supremo decidiu e, até pelo que quero ser, não tenho a menor condição de ficar fazendo confronto com o Supremo.
CC: Discordar não é confrontar.
DR: Para o papel a que me proponho assumir, é sim.
CC: O que pedimos é uma opinião pessoal.
DR: Esta é a minha opinião pessoal. É ter consciência e maturidade para perceber que uma decisão do Supremo, num país como o Brasil, tem de ser respeitada. Como presidente da República, que é o quero ser, seria desrespeito. A partir do momento que se decidiu, está decidido. A não ser que se queira criar turbulência e instabilidade. Eu não quero.
CC: Como a senhora pretende lidar com o toma-lá-dá-cá no Congresso?
DR: Como lidei, uai! Eu lidei com esse toma-lá-dá-cá, ou não?
CC: Mas, e diante de um episódio como o do mensalão? Todo mundo fala que, não fosse por sua habilidade, o presidente Lula não teria se mantido no cargo quando se chegou a falar até em impeachment...
DR: A habilidade do presidente consistiu em ir para os movimentos sociais e deixar claro que impeachment não seria uma coisa adequada à democracia no Brasil. O presidente não fez nenhum toma-lá-dá-cá nessa questão.
CC: Mas é preciso negociar com o Congresso o tempo inteiro.
DR: Não concordo que a relação que tivemos ao longo desse tempo com o Congresso foi de toma-lá-dá-cá. Foi uma relação de negociar, porque tem oposição. O governo é a arte de negociar, não há nenhum mal em dialogar.
CC: Há uma crítica recorrente de que o Estado brasileiro tem cargos comissionados demais e isso serve para comprar apoio político.
DR: O Estado brasileiro ainda é um pouco desequilibrado. Herdamos um Estado que fazia corte linear, doa a quem doer. A manifestação maior desse modelo é o que encontrei nas Minas e Energia. Um engenheiro na ativa para 20 motoristas, em um ministério que cuidava de petróleo, de gás, biocombustível, energia elétrica... Não se pode ter uma visão simplificada do que se quer de um Estado. Eu quero um Estado meritocrático e profissional. Hoje, ele ainda está descompensado, começamos a remontar no governo Lula e vamos continuar. A questão das indicações políticas existe nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, em todas as democracias. Essa conversa de aparelhamento do PT... Vamos lembrar o que houve em outros governos. Como se fosse só o PT a fazer nomeação política.
CC: O PT faz porque todos fazem, é isso?
DR: Não vou fazer tábula rasa disso. Pode ter, sim, nomeação política, o que não pode é não ter critérios técnicos. Posso receber uma nomeação política de um partido da minha base, ele vai me dar um nome, e nós vamos olhar.
CC: Não é o contrário? Olha-se o que tem para encaixar o apadrinhado?
DR: Não, normalmente indicam nomes com a ficha toda da pessoa. Essa conversa do aparelhamento do Estado é preconceito. Tentam estigmatizar, é uma coisa muito velha, lacerdista, de república de sindicalistas.
CC: Para alguns desenvolvimentistas, o Brasil está num processo de desindustrialização, por causa do câmbio. A senhora concorda?
DR: Não há nada que a gente não possa compensar com duas coisas: política industrial e financiamento. Mas acho importante que a taxa de juro real do País caia e convirja para as internacionais. Caminhamos celeremente para isso na próxima década. Se o Brasil mantiver uma taxa de crescimento de 5,5% ao ano, vamos ter uma redução do endividamento e aumento do PIB. E aí não há a menor possibilidade de não ter redução da taxa de juro real. O que não dá é achar que se faz isso por decreto.
CC: O Banco Central no seu governo será uma Santa Sé, como comparou José Serra?
DR: Acho inapropriada a comparação, é o tipo da problemática que não constrói nada. Não tenho o que falar a respeito.
CC: A senhora tem falado do combate ao crack, mas as políticas antidrogas têm fracassado. Sob que ótica se daria esse combate?
DR: O primeiro mecanismo é a prevenção. Não se combate droga sem repressão, tem de levantar a rota e combatê-la, mas só isso não adianta, está para lá de provado. Tem de fazer a prevenção e o apoio, e o apoio é complicado porque tem de apostar que tira o cara do crack depois que ele entrou. Há várias discussões a respeito, há casos que a pessoa saiu, mas não é fácil, não é igual às outras drogas. É altamente viciante e mata em seis meses. Não é algo, inclusive, que tenha tradição mundial, há dificuldade de fazer.
CC: O que a senhora acha da descriminalização das drogas, de maneira geral?
DR: Hoje não concordo. Não vou dizer que, numa crise de droga da proporção do crack no Brasil, caiba esse tipo de discussão agora. Não temos estrutura para isso e não temos como discriminar o que pode e o que não pode.
CC: A senhora foi muitos anos do PDT. Seu grande ídolo político é Leonel Brizola? Existe alguma ideia brizolista que poderá ser aplicada em seu governo?
DR: Admirei muito o Brizola. Tinha características muito importantes, uma grande noção de soberania. O compromisso com a educação conflui com o que a gente tem. A escola em tempo integral não basta mais, é pouco, o País mudou, mas a gente tem de reconhecer que ele deu uma grande contribuição. O Brizola pensou na educação em 1962, e o Miguel Arraes na eletrificação rural, na mesma época. Enxergaram problemas que no Brasil não se enxergava. Quando se olha para trás, a política de Arraes e de Brizola nos estados deles foi excepcional.
CC: O Chico Buarque, outro dia, disse que votaria na senhora por causa do Lula, mas que não via grandes diferenças entre um governo seu e um de José Serra. O que a senhora diria para o Chico?
DR: Talvez ele não me conheça (risos). Aliás, por culpa minha, eu é que tinha de procurá-lo. Até devo a ele um telefonema, não pude ir à casa dele no dia em que dona Maria Amélia, sua mãe, morreu. O presidente Lula foi e não pude acompanhá-lo. Mas pretendo procurar o Chico e agradecer pela opção.
CC: A senhora não parece ter sido muito vaidosa no passado e agora ganhou um upgrade no visual. Está gostando?
DR: Ah, a gente sempre curte, sempre é bom. Mas é um cabelo mais simples, né? (Alisa o cabelo, mais curto, mais claro e sem um fio fora de lugar.) É mais fácil de arrumar do que o seu. Mas eu gosto, não acho ruim, não.
CC: Acha que vão surgir muitos pretendentes... presidente e de visual novo?
DR: É o tipo da coisa que não dá tempo nem de a gente pensar, nessa função. Agora, não sou contra, não, viu? As pessoas namorarem, coisas assim. Acho bom.
CC: Se a senhora fosse se comparar a uma mulher governante, estaria mais para Michelle Bachelet ou para Margaret Thatcher?
DR: Ah, Bachelet, sem dúvida, óbvio. Não tenho a posição conservadora da Thatcher.
CC: Mas a pintam como dama-de-ferro, não?
DR: É um estereótipo. Toda mulher é dama-de-ferro? Nunca vi um senhor-de-ferro, você já viu algum?
CC: Qual é, hoje, o maior entrave para o Estado brasileiro conseguir ser eficaz nos investimentos?
DR: Ainda tem muita burocracia herdada do período em que a ordem era não gastar. Houve um processo muito difícil de gestão da coisa pública e se criou uma série de entraves ao investimento. É fundamental reconstruir o planejamento, a capacidade de fazer projeto. O Estado pode demandar projetos.
CC: A senhora acha que as entidades fiscalizadoras, como o Tribunal de Contas da União (TCU), agem com excesso de zelo?
DR: Tive uma experiência muito boa com o TCU, que, inclusive, reconhece que o PAC tinha menos problemas do que qualquer outro programa do governo, pelo nível de acompanhamento direto nosso. Não acho que a questão de fundo seja essa. O que há é uma discrepância entre a qualidade da estrutura que fiscaliza, que se manteve ao longo dos anos intacta, que teve profissionalismo, que tem engenheiro ganhando a partir de 12 mil, e a estrutura que executa, onde o inicial é 4 mil ou 5 mil reais. Essa discrepância vai ter de ser alterada, tem de fazer plano de cargos e salários. Não pode ficar perdendo seus melhores quadros, senão não se consegue elaborar, olhar o futuro. E ninguém resolve isso no horizonte de um governo. Vamos ter de resolver a meritocracia no Estado brasileiro no horizonte de uma década. Levaram 20 anos desmontando, não se constrói de um dia para o outro.
CC: Privatizar é um tema banido no PT ou ainda existe algo privatizável?
DR: Privatizar patrimônio público, banco, estatal do nível da Petrobras e da Eletrobrás, é absolutamente absurdo e a vida nos deu razão. A crise mundial recente nos deu muita razão. Sem essas empresas não teríamos nos saído tão bem. A Caixa Econômica mudou, o Banco do Brasil mudou. O BNDES era uma central para fazer projetos para privatizar empresas brasileiras. Hoje faz projetos para expandir empresas brasileiras, é diferente.
CC: A senhora parece aquele tipo de mulher que as durezas da vida fizeram revestir-se de uma armadura. É difícil ter de se livrar dela agora, em campanha, ficar, como se diz, mais soft?
DR: Isso é um baita estereótipo. Quem não criou, depois de 60 anos de vida, vários mecanismos de defesa? Me mostre um bicho sem nenhuma carapaça que sobreviveu. Somos todos fundamentalmente muito parecidos. Nos defendemos, nos desmontamos, nos abrimos para as pessoas. Depende da circunstância. Não posso ficar chorando o dia inteiro sendo ministra-chefe da Casa Civil, me comovendo às lagrimas. Agora, se eu vir um filme comovente, choro. Como ministra, não podia ficar na emoção sistemática, porque ou eu segurava o touro a unha ou o touro picava a mula. O pessoal vende umas histórias esquisitíssimas. Talvez a suposição seja que sou um E.T. A verdade é que tive uma vida muito boa, tirando a prisão na época da ditadura. Casei, tive filho, vivi bem com meu marido, sou amiga do meu ex-marido, ele é que nem meu parente. Nunca me senti uma pessoa infeliz, não sou carente, sou alegre. Gosto de viver.
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