quinta-feira, 15 de abril de 2010

ENTREVISTA COM MARCOS COIMBRA DO VOX

As eleições, segundo Coimbra

Do Valor

“Continuidade custa menos para eleitor”

César Felício e Maria Cristina Fernandes, de Belo Horizonte
15/04/2010

Num país de voto compulsório, a grande parcela do eleitorado desinteressada de política não quer ter trabalho de comparar biografias ou governos. Tende ao voto mais fácil. Se está satisfeito, opta pela continuidade. É assim que Marcos Coimbra resume suas convicções no favoritismo da candidata do PT – “Ela é favorita, o que não quer dizer que vai ganhar”.

No Vox Populi desde 1987, depois que concluiu o doutorado em Ciência Política na Universidade de Manchester, Coimbra hoje é seu diretor de pesquisas. E as realiza tanto para o PT de Dilma Rousseff quanto para o PSDB de José Serra.

Aos 59 anos, carioca radicado em Belo Horizonte, Coimbra transformou o amplo apartamento onde morava, no bairro de Serra, no escritório onde trabalha sozinho, longe do burburinho do Vox. Foi nesse apartamento, entre obras de Iran do Espírito Santo, Vik Muniz, Mario Cravo Neto e Cildo Meirelles, onde, na tarde de segunda-feira, falou ao Valor.

Valor: Esta campanha vai ser uma disputa de biografias ou uma comparação de governos?

Marcos Coimbra: Esse é o cabo de guerra em que as duas principais forças políticas brasileiras estão envolvidas hoje. O Lula e o PT procurando trazer a eleição para essa comparação de projetos, enquanto a oposição e Serra tentando transformar a eleição numa guerra de biografias. Lula sabe que a grande maioria compara favoravelmente o governo dele em praticamente todos os aspectos e gosta mais dele do que do último presidente. Então, para o PSDB só resta a comparação da biografia, mas não acredito que se consiga mudar essa percepção ao longo da campanha. Acho muito pouco provável que tenha sucesso essa estratégia de convencer a população que tudo que há de bom, se é que há alguma coisa de bom no governo Lula, vem do antecessor.

Valor: Este terço que Serra obtém em pesquisas não embute uma comparação favorável ao PSDB?

Coimbra: Francamente não creio. Esse terço de Serra é a soma de várias razões. É um componente anti-Lula e anti-PT do eleitor que pode até ter uma avaliação razoável, satisfatória do atual governo, mas que não gostaria que o PT tivesse mais quatro anos. É um desagrado que iria para quem quer que fosse o adversário da continuidade. Tem outro componente que é a admiração pessoal por ele. E o peso de São Paulo que acompanha sua administração e já votou nele uma meia dúzia de vezes. Fora do Estado também há muita gente que admira o que ele fez na Saúde.

Valor: Mas isso é suficiente para a permanência de Serra nessa faixa de 30% a 40% há tantos anos?

Coimbra: O fato de Serra ser governador muito bem avaliado, com história antiga no maior Estado do país, é parte da explicação. São Paulo tem mais de 20% do eleitorado. E uma parte ainda vem do antipetismo que se encontra com frequência na classe média do Sul e do Sudeste. Tolera Lula porque aprendeu a conviver com ele, mas só o Lula.

Valor: São dois candidatos egressos da esquerda que combateu a ditadura e um terceiro nunca identificado ao conservadorismo. O que explica este divórcio com um eleitorado que, como qualquer outro, tem sua fatia conservadora?

Coimbra: Isso tem a ver com a experiência de uns tantos anos de ditadura que, ao terminar, tinha deslocado qualquer discurso que não fosse de esquerda. Isso aconteceu há muito tempo, mas parte da elite política ainda vem desse ciclo. O que o eleitor ainda tem para situar não é apenas a trajetória do candidato, mas uma visão mais ampla dos aliados . O PSDB tomou uma decisão, no início dos anos 90, de que a única maneira de chegar ao poder, dado que o PT tinha um candidato posicionado em torno de 40%, seria em aliança com a direita. Isso definiu a natureza do jogo político e ideológico. Passou a ser difícil olhar para os candidatos do PSDB e vê-los como egressos de uma prática de esquerda.

Valor: O eleitor não identifica claramente a aliança do PT com os partidos de direita?

Coimbra: Não, porque pela natureza do PT, pelo modo como entrou na política e foi objeto de tomadas de posições antagônicas, ocupou o território da esquerda.

Valor: O fato de Dilma ter se envolvido com a luta armada até que ponto agrega ou retira votos?

Coimbra: É um sentimento minoritário. A impressão que tenho, vendo pesquisas qualitativas, é que uma parte grande do jovem eleitor – e 30% do eleitorado tem menos de 30 anos – foi educada dentro de valores muito mais favoráveis a quem estava lutando contra a ditadura.

Valor: A classe média tradicional que paga mensalidades caras para o filho concorrer com cotistas, assiste o trânsito piorar com carros vendidos a 96 prestações e se vê espremida entre a base e o topo da pirâmide social, não é o germe desse conservadorismo?

Coimbra: O antipetismo da classe média tem mais a ver com valores políticos e ideológicos, e não com causalidade socioeconômica. Não sei avaliar o tamanho dessa insatisfação porque o desenvolvimento beneficiou de forma razoavelmente homogênea a sociedade como um todo. Pelo menos não vejo reflexo nas pesquisas. Parte da classe média não desgosta do PT porque perdeu dinheiro, status ou consumo. Apenas não gosta.

Valor: O eleitor pode ganhar mais?

Coimbra: Ganhar mais é sempre aposta de risco para o eleitor. Ele está acostumado a ouvir promessas. E em grande parte por isso às vezes se contenta com algo bem menos exigente, que é não perder. O que esta eleição tem de diferente é que agora esses dois lados não vão se contrapor em termos do que prometem, mas do que fazem quando chegam ao poder. O eleitor não vai mais olhar para o petismo e imaginar que tudo vai ser bom. Embora Lula tenha 80% de aprovação, quando você olha política por política percebe que a avaliação positiva não é homogênea.

Valor: Da disputa entre Serra e Aécio em Minas resiste um sentimento antipaulista?

Coimbra: Sim e não. Numa certa parte da elite política local sim, mas como um sentimento relevante no eleitorado, não.

Valor: A intenção de voto dos candidatos flutua muito de Estado a Estado. Os problemas regionais não influenciarão o resultado eleitoral?

Coimbra: Não acho que seja relevante. O fato de Dilma não ter candidatos fortes em alguns Estados não tem relação com a sua intenção de voto e a mesma coisa em relação ao Serra. O Serra tem problema no palanque gaúcho e lá tem vinte pontos a mais que a Dilma.

Valor: A situação no RS é muito diferente do quadro nacional, e não é de agora, por que isso?

Coimbra: No Rio Grande do Sul, o quadro é largamente favorável a Serra. No Paraná, nem tanto, em Santa Catarina, não são. Nos Estados onde há uma percepção de uma grande melhora nos últimos oito anos, há uma clara tendência na aposta à continuidade.

Valor: Aécio terá mais capacidade de puxar voto para o PSDB nacional em Minas do que em 2006?

Coimbra: Em 2006 ele era o candidato à reeleição, fez tudo que estava em seu alcance e quem ganhou em Minas foi o Lula. Acho que Lula tem mais força eleitoral que Dilma, mas quando o eleitor quer fazer uma aposta na eleição presidencial, dificilmente o entorno é tão relevante.

Valor: Minas hoje tende à continuidade ou à mudança?

Coimbra: Minas tende à continuidade nos dois planos, no estadual e no federal. Embora hoje quem esteja na frente na eleição para governador e para presidente represente mudanças.

Valor: E o que o leva a concluir isso?

Coimbra: O eleitor não conhece suficientemente nem Anastasia nem Dilma. A tendência é que a vantagem do Serra diminua em relação à Dilma e a do Hélio Costa em relação ao Anastasia também.

Valor: No caso de SP, o que explica os mais de 50% de Alckmin?

Coimbra: Alckmin foi o governador mais bem avaliado da história recente de São Paulo. Mais bem avaliado que o Serra e que o Covas. O voto no Alckmin tem uma densidade muito maior do que outros candidatos que têm o recall como sua explicação fundamental.

Valor: Ele extrapola a força do PSDB no Estado?

Coimbra: Várias vezes. Bem, a força do PSDB, como sabemos, não é uma coisa muito relevante nem mesmo em São Paulo.

Valor: Marina tem potencial para levar a eleição ao segundo turno?

Coimbra: Com todo o risco envolvido em uma resposta tão longe da eleição, diria que não.

Valor: Mesmo considerando os candidatos nanicos?

Coimbra: Os nanicos, mesmo se forem muitos, dificilmente vão passar de 2,5% dos votos. O cenário de crescimento da Marina é muito desfavorável. De um lado ela pode ser espremida por duas candidaturas que cedo polarizam. Se o Ciro disputar, aumenta o cenário de crescimento dela, porque deixa uma eleição menos polarizada. Sem Ciro, o horizonte dela é menor. Porque faz com que grande parcela do eleitorado pense que tem que resolver logo.

Valor: Ela tem um potencial menor do que Heloisa Helena em 2006?

Coimbra: O eleitor que olhou com interesse para a Heloísa Helena e acabou votando nela tinha um componente de protesto à esquerda contra o mensalão. Esse elemento na eleição deste ano não é significativo e Marina não expressa isso. Ela não se posiciona politicamente, mas em favor da agenda ambiental.

Valor: Ela tem a limitação de um candidato temático como o Cristovam em 2006?

Coimbra: Sim, mas ela pode ir um pouco além. O tempo de TV reservado à divisão igualitária é 30% do total. Se dividisse por quatro, daria um minuto e pouco para cada. Somado ao tempo do PV já seria expressivo, mas como deve haver muitos nanicos, ela vai acabar tendo um pouco mais que Eymael.

Valor: Lula tem aprovação maior entre as mulheres e Dilma um patamar de intenção de votos também mais baixo nesse eleitorado. Ela soma a rejeição das eleitoras pelo fato de ser mulher e apoiada por Lula?

Coimbra: Não, nem uma coisa nem outra. Ela tem uma menor participação no voto feminino porque é maior a proporção de desinformação e não envolvimento com temas políticos e administrativos nesse eleitorado.

Valor: Mas por outro lado é a mulher que leva o filho ao posto de saúde e luta por vaga em escola pública. Isso não lhe dá uma experiência de como funcionam os governos?

Coimbra: Sim, mas é uma experiência de cotidiano

Valor: Despolitizante?

Coimbra: Não é despolitizante, mas pode ser despolitizada. Essa experiência é uma fonte de politização, mas tem que ser politizada. E isso, lamentavelmente, não acontece na nossa sociedade.

Valor: Esse grau de desinformação ainda explica o voto num país onde as mulheres já são mais da metade em muitas universidades?

Coimbra: O diferencial de envolvimento e de participação política entre homens e mulheres continua a ser explicado pelo grau de informação no mundo inteiro. Essa diferença tende a desaparecer com o tempo, mas ainda é um elemento da cultura política brasileira.

Valor: O senhor quer dizer que o universo de mulheres bem informadas confrontado ao de homens bem informados não são diferentes?

Coimbra: Sim. E mulheres mais velhas, especialmente, tendem a ter uma maior dificuldade de participação política. Entre os jovens, as diferenças de intenção de voto por gênero são quase irrelevantes. Vão ficando mais significativas à medida que se avança na idade e na zona rural.

Valor: Só não fica claro por que isso prejudica Dilma e não Serra.

Coimbra: Porque isso está ligado à possibilidade de se estar mais familiarizado com alguém que já foi candidato a presidente e ministro da Saúde. O nível de conhecimento dele é mais alto em todas as faixas. Naquelas em que o nível de informação e de participação é muito baixo, o nível de conhecimento da Dilma é muito menor do que o do Serra.

Valor: A associação de Dilma com Lula também é mais baixa nesse estrato?

Coimbra: Sim, muito mais baixa que a média. E essa é a razão para o prognóstico favorável a sua candidatura. A vantagem do Serra vem quando se agrega a grande parcela que não conhece a Dilma. Quando se neutraliza o efeito desconhecimento, ela já está na frente. Claro que há a suposição de que quando todos os que não a conhecem se comportarem de uma maneira pior para ela do que os primeiros, ela cai, mas se eles se comportarem de maneira mais favorável, ela sobe. E a composição do eleitorado que a desconhece lhe favorece. Tem menor escolaridade, mais Bolsa Família e que está na periferia dos grandes centros e nas regiões menos desenvolvidas.

Valor: Quem estaria então mais próximo do teto seria o Serra?

Coimbra: Sim, mas ele tem um piso muito alto.

Valor: O eleitorado no Brasil tem tido um descolamento entre escolaridade e renda. O que deriva disso?

Coimbra: A melhora no perfil do acesso à escola é muitas vezes mais acentuada do que a dos indicadores de desigualdade. Como houve nos últimos 20 anos uma melhoria grande no valor do salário mínimo, se a comparação é em termos de unidades de salário mínimo, pode-se ficar com um retrato inexato de que os pobres permaneceram nos mesmos lugares com a melhoria da renda, do poder de compra e a redução do preço de alguns produtos. O resultado é que todo mundo melhorou um pouco, mas mantendo a desigualdade.

Valor: Essa evolução da escolaridade favorece uma campanha mais temática, comparativamente a uma sucessão de ataques pessoais?

Coimbra: Essa evolução aponta para uma parcela cada vez maior de eleitores em condições de consumir informação mais qualificada e até esperando receber do jogo eleitoral mais do que uma dúzia de chavões e frases de efeito, mas é preciso atentar para o ritmo dessas mudanças sobre o resultado quando se tem o voto compulsório. Essas senhoras que não têm interesse, não têm informação, não se envolvem em questões político-eleitorais, vão votar. Em quase todos os países desenvolvidos do mundo, quem tem esse perfil não vota.

Valor: Essa evolução do grau de instrução não leva a uma decisão de voto que independe mais da classe?

Coimbra: Uma das coisas que aconteceram no Brasil nestes 25 anos de redemocratização é a formação de uma sociedade política em que as pessoas têm lado e partido. Eu sou isso, sou aquilo. E essa formação de identidade política atravessa essas dimensões socioeconômicas. Tem petista e tucano morando no mesmo prédio. O modo como se estruturam essas identidades não é clássico, não é em torno de partidos, não porque o brasileiro não goste de partido, mas porque não se permitiu que isso acontecesse.

Valor: Mas Lula insiste na estratificação entre pobres e ricos…

Coimbra: Ele sabe que isso não é a realidade. Você tem uma parcela não pequena das grandes fortunas brasileiras muito satisfeita com o atual governo. Dilma não vai ser votada pelos pobres e Serra pelos ricos.

Valor: Mas não foi isso que aconteceu entre Lula e Alckmin em 2006?

Coimbra: O mensalão estava muito presente. Cinco anos depois acredito que é um assunto vencido, não porque as pessoas tenham ficado satisfeitas com ele, mas porque foi digerido pela sociedade.

Valor: Por que o senhor vê Dilma como favorita?

Coimbra: Porque a maioria tem o sentimento a favor da continuidade, tem um envolvimento pequeno com a discussão política, com a comparação das propostas, das biografias e opta pelo modelo de decisão mais simples. Isso não é verdade no Brasil pelas nossas deficiências. Isso é verdade em todas as democracias. Ainda mais no regime de sufrágio universal e compulsório em que a parcela de eleitores de baixa ou pequena motivação é majoritária. Esses eleitores costumam preferir a escolha de custo menor que demanda menos tempo, menos stress e pode ser resumida numa pergunta tão simples como ” Você está satisfeito?”

Valor: A inércia pela continuidade será o determinante?

Coimbra: É claro que há brecha para mudança. Todo mundo lembra do que acabou de acontecer no Chile, onde uma presidente com 80% de aprovação não fez o sucessor, mas a Concertación estava há 20 anos no poder. No Brasil, o sentimento “está na hora de mudar” não comanda. Vide o PSDB que está há 16 anos no governo de São Paulo e tem um candidato que tem condições muito favoráveis. Vinte anos do PSDB no principal Estado da federação não causa espanto a ninguém. Por quê? Um candidato bom veio depois de um bom governo. No plano nacional, há um sentimento de que o outro lado teve décadas de poder. Em parte as pessoas acham que estes oito anos de PT ainda são pouco frente ao que a outra turma teve.

Valor: Mas a ideia da continuidade já teve grandes derrotas.

Coimbra: A ideia de continuidade funciona no Brasil em eleições municipais e estaduais. Agora vamos ter presidenciais. Não tínhamos tido em 1989 porque o Sarney não tinha candidato, em 1994 Itamar foi engolido pelo sucessor. Fernando Henrique perdeu porque não havia ali as condições que temos hoje, em que o desejo de continuidade é maioria. Serra era o candidato da continuidade numa eleição marcada pela mudança.

Valor: E agora ele é o candidato da mudança numa eleição marcada pela continuidade?

Coimbra: Sim, esse é o problema. Em 2002, 10% das pessoas diziam que o próximo presidente deveria manter tudo o que estava sendo feito e 40% diziam que o próximo deveria mudar tudo. Hoje esses números são inversos. Dilma é favorita por essa razão. Ser favorita não quer dizer ganhar, mas ter uma perspectiva muita positiva.

Valor: O discurso do pós-Lula, nessa análise, tem vida curta?

Coimbra: Quer dizer o quê? Vai manter ou vai mudar? Vai manter o que está certo e mudar o que está errado? Mas isso não quer dizer nada. Não convence.

Valor: Mas o slogan de ‘O Brasil pode mais’ não é uma tentativa de se contornar a continuidade?

Coimbra: Sim, para o eleitor atento. Essa proposta implica um elevado investimento pessoal no processo eleitoral. Você tem que aprofundar o conhecimento das propostas, o conhecimento minucioso do que foi feito e deixou de ser feito, identificar o que é realista e que pode ser feito no futuro, ou seja, exige um conjunto de características pessoais do eleitor que não são fáceis aqui nem em qualquer lugar do mundo.

Autor: luizhenriquemendes - Categoria(s): Eleições, Política

Fonte: Blog do Nassif

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