terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

DIREITOS AUTORAIS E CARNAVAL DE RUA DO RIO

A maioria das posições do Poder Judiciário conclui que a cobrança é indevida

Além das controvérsias geradas pela iniciativa Prefeitura do Rio de ordenamento do carnaval de rua da cidade, que se por um lado contribui com infra-estrutura para a realização desta grande festa, por outro asfixia a proliferação de blocos que vem ocorrendo, já que cria uma burocracia para liberar espaço e data para os respectivos desfiles, que tais blocos não têm estrutura e organização para dar conta; surge agora a polêmica sobre a cobrança de direitos autorais sobre os blocos e bandas de rua que executam músicas, como as tradicionais marchinhas e sambas enredo em seus desfiles. Como é o caso, por exemplo, da mais antiga instituição carnavalesca do Rio, o Cordão do Bola Preta.

A matéria "Com cadastro da prefeitura em mãos, o Ecad aperta o cerco aos blocos" publicada no jornal O Globo no último domingo, assinada pela jornalista Madalena Romeo, trata do tema, que já é objeto de intenso debate entre foliões e organizadores de blocos. Uns vaticinam que se levada até as últimas consequências tal cobrança, ela pode se constituir num duro golpe no carnaval de rua do Rio, com blocos e bandas cancelando desfiles, enquanto os autores fazem coro com o Ecad, pois muitos, como o compositor João Roberto Kelly, esquecidos pelo mercado fonográfico, declara na referida matéria que "vivem disso".

O Ecad, uma instituição mantida por várias associação de autores para a cobrança dos seus direitos, mas que em função da força alcançada parece que atua de forma autônoma em relação a elas, ou a algumas delas, é há tempos alvo do tiroteio dos dois lados da moeda: dos autores (compositores, regentes, arranjadores), onde muitos reclamam que recebem menos do que deveriam receber, e dos proprietários de casas de shows e organizadores de eventos, que reclamam que pagam mais do que deveriam pagar. Isso sem falar do papel das rádios e tvs nesta estória, algo mais complexo que não dá para tratar neste artigo.

O que se pretende tratar neste artigo, que defende ser um direito inalienável dos autores serem recompensados pela execução das suas obras, é o carater, o objeto e a base jurídica de tal cobrança, quando se trata de eventos gratuitos e de interesse público, como se caracterizam os blocos e as bandas de rua do carnaval do Rio.

Por solicitação do autor deste artigo, realizou-se uma pesquisa a respeito das decisões judiciais sobre assunto, através da assessoria jurídica do gabinete da deputada estadual Inês Pandeló, integrante da Comissão de Cultura da Alerj, e constatou-se que há um tratamento diferenciado na cobrança de direitos autorais em eventos com as caracterísiticas dos citados no parágrafo anterior.

Segundo a pesquisa, o entendimento amplamente majoritário no Tribunal de Justiça do Rio (TJ) é que não há violação aos direitos autorais para os espetáculos realizados na rua, com apoio da Prefeitura Municipal, quando gratuitos e em benefício da comunidade.

Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ) encontram-se três posições divergentes: A primeira. minoritária é que esse tipo de recurso não é apreciado, pois entendem que não é da competência do Tribunal.

Uma segunda, majoritária, onde o "pagamento dos direitos autorais é cabível quando houver qualquer tipo de proveito, o que não ocorre quando a execução das obras musicais se dá em local público, gratuitamente. Nesse caso, a cobrança de direitos autorais é inexigível, pois não há contratação de artistas e lucro direto. A participação do ente governamental configura-se em programa de desenvolvimento da cultura popular, em exclusivo benefício da comunidade."

E uma terceira, minoritária onde "a utilizaçao de obras musicais em espetáculos carnavalesco gratuitos promovidos pela municipalidade enseja cobrança de direitos autorais à luz da Lei nº 9.610/98, que não mais está condicionada à aferição do lucro direito ou indireto pelo ente promotor."

Ao notificar organizadores de blocos e suas associações com o objetivo de ameaçar e constranger a respeito da cobrança de direitos, o Ecad pressiona ciente das referidas decisões judiciais, já que ele mesmo é autor da maioria dos recursos judiciais que redundaram nas referidas sentenças, amplamente derrotados no Tribunal de Justiça do Rio (TJ) e minoritários entre os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O mais razoável, portanto, seria que ao invés de ameaçar o elo mais frágil deste evento, as bandas e os blocos de rua, o Ecad buscasse um acordo com a Prefeitura do Rio, ente público responsável pela organização do carnaval da cidade, à luz das condições reais de organização e finanças dos blocos e bandas de rua do carnaval carioca, no intuito de preservar a um só tempo a plena realização deste evento, sem atropelos e batalhas judiciais, e o legítimo interesse dos autores em receber compensações pela execução das suas obras musicais.

Flávio Loureiro, jornalista, e Caroline Moreira, estagiária de Direito do gabinene da deputada Inês Pandeló

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