quarta-feira, 4 de novembro de 2009

SANTAYANA ANALISA ARTIGO DE FHC

A plataforma do candidato
Mauro Santayana – Jornal do Brasil

O recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso parece ter como único objetivo sua candidatura à Presidência da República. Observadores atentos da situação política suspeitam que, por detrás da indecisão do PSDB em escolher entre o governador de São Paulo e o governador de Minas, haja manobra do próprio Fernando Henrique, talvez com a aquiescência de Serra. Ambos atuariam como servidores dos poderosos interesses de São Paulo. Diante do impasse entre Aécio e Serra, e do provável crescimento da candidatura de Ciro e – quem sabe? – da própria Dilma, a saída seria a ida de alguns próceres do PSDB e de outras agremiações ao escritório político do ex-presidente, instalado com doações de empresários, no final de seu governo. Ali, apelariam para o patriotismo paulista de sua excelência, a fim de recuperar o poder.

O presidente Lula tem sido beneficiado pelas circunstâncias, o que não é mau. Mas é inegável que ele é sincero na luta pela redenção de milhões de famílias pobres às quais, durante a história do país, foram negados o conhecimento, a dignidade e os salários justos. Ele conseguiu isso sem provocar a reação dos empresários inteligentes, que descobriram um mercado de consumo que não conheciam: o do próprio país. O reconhecimento popular pode ter inflado as velas do barco de Lula, que se sente estimulado a, tal como Pico de la Mirandola, discorrer sobre todos os assuntos e mais alguns. Mas, nisso, ele tem ótimo modelo no próprio weberiano Fernando Henrique. Trata-se de pecado menor, e, no caso de Lula, justificável em sua inigualável biografia de vitorioso. Ele, pelo menos, não se considera “mais inteligente do que vaidoso”.

O artigo de FHC é uma plataforma de candidato, com argumentos anacrônicos. Ele e outros identificam o “discurso ultrapassado dos anos 50” nos nacionalistas de hoje. Mas repete os de Lacerda contra Jango, no caso da falsa Carta Brandi, em que se denunciava (também) o propósito de instalar-se, no Brasil, uma república sindicalista sob molde peronista.

Há quem veja em seu artigo apenas a expressão de preconceito de intelectual contra o torneiro mecânico que está dando certo – mas isso seria reduzir a inteligência do acadêmico. É melhor deduzir que seu objetivo é mesmo o de se pôr como tertius na disputa. Ele já tentara a mesma manobra, na segunda eleição de Lula, quando dificultou a candidatura de José Serra, em favor de Geraldo Alckmin. Sabe que Serra poderá, sem dificuldades maiores, reeleger-se para o Palácio dos Bandeirantes. Entende que, sem a unidade do partido em torno de Serra ou de Aécio, faltarão votos para vencer o pleito. E – aí está o pulo do gato – sabe também que, para alguns empresários paulistas, nada melhor do que ter representantes tanto no Morumbi quanto no Planalto.

O ex-presidente duvida da memória de seus leitores, que não se esquecem do que foram as privatizações e o uso dos fundos de pensões, na operação que tornou o senhor Daniel Dantas um dos homens mais poderosos do Brasil. Quanto à Vale do Rio Doce, a nação compreenderia o seu silêncio, se ele evitasse tocar no assunto. Nunca, desde el-rei dom Manuel, houve doação de bem público de tal monta a um grupo de favoritos. Os interesses de São Paulo – também representados no governo Lula – conduzem a União, há quase 16 anos em violação ao pacto republicano da igualdade entre os estados, e continuarão por mais oito anos, se a manobra der certo. Dentro de 11 dias, a República fará 120 anos. Já é tempo para que se torne, tal como a quiseram então, uma Federação de direito e de fato.

Aécio recusa, como é da conveniência dos mineiros, a Vice-Presidência. Ele interpreta bem o sentimento de Minas que, desde o regime militar, vem dando credibilidade ao Planalto com seus vice-presidentes, e já se cansou disso. Castelo Branco buscou José Maria de Alkmin para endossar a ditadura inaugural; Costa e Silva recrutou Pedro Aleixo (menosprezado no episódio do AI-5); Aureliano serviu de avalista a Figueiredo; Collor foi atrás de Itamar e, por último, Lula teve que se valer de José Alencar para tranquilizar os meios empresariais.

O ex-presidente previa o caos, se Lula fosse eleito. A vitória do trabalhador provavelmente tenha salvado o país do caos. Se os programas do governo não houvessem aliviado a situação dos famintos e humilhados, teria sido impossível conter a explosão do desespero.

Comentário do Blog

O sempre lúcido Mauro Santayana identifica uma eventual motivação eleitoral do ex-presidente Fernando Henrique, quando em artigo publicado domingo no Jornal O Globo - que se credenica como o principal porta-voz da nova direita brasileira -, desfere duras críticas ao governo Lula, no melhor estilo autista - com todo o respeito aqueles que sofrem desta disfunção neurológica - e udenista, como é do seu repertório.

Não fosse o amplo respaldo que a grande mídia dedica, através dos seus colunistas, como Élio Gáspari, que assina coluna em O Globo e na Folha de São Paulo, e de suas equipes de reportagem política, que repercutem o conteúdo do artigo, como se ele portasse uma grande novidade política, certamente, em função do cheiro de mofo que exala do seu conteúdo, não deveria ser levado a sério.

Aliás, escrever que o governo Lula manipula os fundos de pensão das empresas estatais para o seu projeto de poder, quando o que ele faz é cobrar deles o afastamento da lógica mercantil que preside as suas ações e responsabilidade social sobre as empresas que tem participação, é muita "cara de pau". Haja vista a pressão exercida pelo governo Fernando Henrique sobre esses fundos para participarem do processo de privatização por ele desencadeado. Até porque sem eles e o BNDES, aquele processo não sairia do terreno da vontade.

O artigo de Fernando Henrique é tão fora de propósito que serve a tudo, inclusive ao deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), agora de extrema esquerda, ele que por longos anos de militância transitou junto ao setor moderado do PT, tirar "casquinhas" do governo federal, corroborando com uma idiotice dessas. Um governo que tem problemas e limitações programáticas, mas não essas apontadas levianamente pelo artigo do ex-presidente da República, mas por ainda guardar pontos de contato com o legado por ele deixado.

Santayana acha que o artigo tem motivação eleitoral, eu concordo em parte, pois não creio que seja o anúncio de uma recandidatura de Fernando Henrique, para superação do impasse entre o tucanato. Se for isso, revela que o fracasso subiu a cabeça do ex-presidente, que dormiu como o príncipe dos sociólogos, e acordou como o sociólogo dos principes.

Mas sim, como opinou ontém o amigo Leo Messentier na cerimônia de posse do ex-senador Saturnino Braga na Presidência do Instituto Casa Grande, uma forma de tentar reagrupar a sua tropa, um freio de arrumação, para uma oposição que não tem discurso e nem projeto, e vive das migalhas e da fabricação de escândalos que a grande mídia oferece.

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