quinta-feira, 26 de novembro de 2009

DEBATE: RESPOSTA AO ARTIGO DE EMIR SADER

Nacional-burguês e nacional-popular em tempos de ufanismo neodesenvolvimentista

por Michelle Amaral da Silva última modificação 25/11/2009 12:12 Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida

O fato de um governante ser atacado por forças antinacionais não significa necessariamente que ele não represente os interesses dos dominantes
Nacional-burguês e nacional-popular em tempos de ufanismo neodesenvolvimentista

25/11/2009

Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida

Existem duas unilateralidades bastante comuns em análises políticas inspiradas, de algum modo, nas teorizações marxistas. A primeira consiste em mirar apenas as relações entre as classes fundamentais do capitalismo; a segunda, no extremo oposto, limita-se aos conflitos que se travam entre os dominantes, deixando de lado as contradições do primeiro tipo. Todavia, sem levar em conta ambos os tipos de relações, é impossível sequer iniciar a análise dos problemas da representação política, a começar pela diferença crucial entre Estado e governo e, em cada conjuntura, entre esquerda e direita, uma e outra consideradas em sua complexidade.

Parece-nos que Emir Sader, no texto intitulado “Peron, Vargas e Lula” (Carta Maior, 5/11/2009) incorre na segunda unilateralidade e, desta forma, produz o risco de graves equívocos teóricos e políticos. O texto expressa uma justa indignação contra Fernando Henrique Cardoso que considerou Lula como uma “espécie de neoperonista”, o que, para o tucanato, é uma grave desqualificação. Desta forma, FHC veste definitivamente a roupa da oligarquia latinonoamericana, decrépita, odiosa, antinacional, antipopular”.

O problema é quando Emir Sader discorre muito seletivamente sobre as virtudes dos que ele considera os principais alvos dessas “oligarquias”: Peron, Vargas e Lula.

Sader atribui a estes três líderes políticos “a liderança popular, projetos de desenvolvimento nacional, políticas de redistribuição de renda, papel central do Estado, apoio popular, discurso popular” e a personificação de “projetos nacionais, articulados em torno do Estado, com ideologia nacional, desenvolvendo o mercado interno de consumo popular, as empresas estatais, realizando políticas sociais de direitos básicos da massa da população, fortalecendo o peso dos países que governaram ou governam no cenário internacional”.

Os dois primeiros – Perón e Vargas – “dirigiram a construção dos Estados nacionais nos nossos dois países” e, ao longo desses processos, desenvolveu-se “o maior ciclo expansivo expansivo de nossas economias paralelamente ao mais extenso processo de conquistas de direitos por parte da massa da população, particularmente os trabalhadores urbanos”. Por isso atraíram – insiste Emir Sader – o ódio da direita oligárquica, branca, proprietária das empresas de mídia e ligada às atividades de exportação. A mesma direita que, não vencendo eleições, também conspirou o tempo todo contra o governo Kubitschek, com duas revoltas oriundas da Aeronáutica, “sempre apoiadas pela oposição e com a conivência dos EUA”.

De fato, Perón, Getúlio e Lula, têm em comum “a personificação de projetos nacionais”. Mas isto não significa que sejam nacionais-populares. Para dar um exemplo extremo, Adolf Hitler, que não era de origem burguesa, personificou, na mesma época da ditadura do Estado Novo, um projeto nacional com altíssimo teor de adesão popular; desenvolveu o mercado interno; quase emplacou um “carro do povo”; respaldou-se em forte ideologia nacional; e foi muito competente ao se apropriar de uma simbologia cara ao movimento operário, a começar pela criação do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (mais conhecido como Partido Nazista). Isto passou pela desativação do que havia de independente e emancipatório no movimento revolucionário alemão. Enquanto funcionou, a burguesia alemã achou ótimo e o nazismo contou com simpática neutralidade de muitos liberais em todo o mundo, inclusive na imprensa brasileira.

Não se trata – em absoluto – de identificar a ditadura do Estado Novo ao nazi-fascismo, até porque há quem destaque no primeiro a forte influência positivista. Mas alguns pontos de contato são inegáveis: a decapitação do movimento operário, o forte anticomunismo, a mobilização controlada dos trabalhadores via sindicato de Estado, um discurso que calava fundo junto a eles, a instituição de direitos trabalhistas via estrutura sindical corporativista e forte apoio burguês.

Roberto Simonsen, o principal dirigente industrial da época e um dos principais defensores da política de substituição de importações, apoiou decididamente o golpe de 1937. E, para quem confunde projeto nacional com nacional-popular, vale a pena examinar esta pérola do longo manifesto que empresários, empresas e associações empresariais publicaram em 19/04/1942, em comemoração ao aniversário, de Vargas, carinhosamente chamado de “apóstolo da Ordem”: “Cada nação tem idéia nacional própria (...). A nossa, a brasileira, é a que aí está em vigor desde 10 de novembro de 1937”. Ou seja, desde o golpe do Estado Novo. Três anos depois, a “oligarquia” mais reacionária, aliada ao imperialismo estadunidense, encabeçou a luta pela derrubada de Vargas. Mas teve o apoio do conjunto da de uma burguesia seriamente assustada com a possibilidade de que Vargas perdesse o controle sobre o movimento operário em ascensão.

A afirmação de que Vargas, JK foram, assim, como Lula, atacados pelas “oligarquias tradicionais” é extremamente confusa e induz a graves equívocos políticos para as classes populares. Vargas e JK tiveram o apoio da maior parte das chamadas oligarquias rurais tradicionais. O segundo, um dos principais herdeiros políticos do primeiro, era quadro do principal partido com base nos proprietários rurais, o PSD, aliás resultado da transformação da máquina da ditadura estadonovista em organização partidária. O apoio destas “oligarquias rurais” à política desenvolvimentista tinha um preço: mesmo os direitos trabalhistas, estreitamente ligados a uma estrutura sindical que possibilitava a mobilização controlada dos trabalhadores por Vargas, JK e similares, não eram extensivos aos homens e mulheres do campo. O que explica a tremenda falta de apetite desses governos para realizarem qualquer política de reforma agrária.

Ao exaltar políticas de industrialização que ampliaram o consumo de massas no Brasil, Emir Sader deixa de lado o processo tremendamente pouco inclusivo do desenvolvimento capitalista dependente neste país. Processo que, aliás, teve continuidade durante a ditadura militar, com o chamado “milagre brasileiro” dos anos de chumbo e, logo em seguida, desembocou na fracassada tentativa do II PND, sob a batuta do governo Geisel. Este governo foi apoiado, sempre em nome de um projeto nacional (não popular) de desenvolvimento, por vários nacionalistas. E – exemplo de coerência com sua guinada política – recebeu, mais de uma vez, elogio do candidato Lula, em 2001, e do presidente Lula em abril do ano passado, quando também aproveitou a oportunidade para, sempre em nome do desenvolvimentismo, elogiar Emilio Garrastazu Médici.

Aqui estamos diante de um nítido corte de classe. Para o capitalismo (e para os capitalistas), aquele ciclo expansivo foi uma maravilha. Elevadas taxas de crescimento econômico com grande concentração de renda, opção rodoviária desastrosa, aumento da favelização, meio século de democracia liberal restrita. É, no mínimo, curioso que Emir Sader elogie uma política de expansão de direitos quando os analfabetos (a maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras) não podiam votar e qualquer tipo de partido comunista era proibido. Já o que os capitalistas chamam de “década perdida”, a dos anos 80, foi exatamente marcado por um extraordinário ascenso das lutas operárias e populares.

Comparar os três governantes elogiados por Emir Sader é sempre uma tarefa difícil, dada a brutal mudança dos contextos. Mesmo assim, cabe observar que, no caso de Lula, até a grande finança e o agronegócio voltado para a exportação, além do clã Sarney, aderiram. Agora, a denominação “oligarquia” fica restrita aos proprietários dos grandes meios de comunicação e uma parcela de atores políticos que, diante da captura de boa parte de suas principais bases sociais pela coalizão governista, procura desesperadamente se manter na cena política, na expectativa de voltar ao centro do palco.

Daí este aparente paradoxo: quem só tem olhos para cena política, acha, em diversos momentos, que o país está pegando fogo. Mas, a cada foguetório na grande imprensa, no Parlamento e mesmo no Judiciário, o governo se consolida e angaria mais apoio entre os vários segmentos burgueses. Como observou Paul Krugman ao se iniciar o escândalo do mensalão (lembram-se?), antes o “mercado” tinha medo do Lula; agora tem medo de que Lula se vá.

Aliás, até o momento em que escrevo este artigo, comparado a Vargas, é justamente Lula quem recebe maior apoio da grande burguesia internacional e nativa, assim como elogios dos dirigentes estadunidenses. É claro que preferem figuras ilustres e mais dóceis como FHC. O problema PE que este não funciona, especialmente porque não desfruta de apoio popular. Resta, pragmaticamente, apoiar Lula, sinalizando para que os metaleiros do demotucanato não façam bobagens. Preocupam-se com as incertezas de um período pós-Lula em um contexto de crise capitalista mundial.

Em suma, até o presente, a grande burguesia tem em Lula o principal agente político da manutenção da ordem social. Enquanto ele cumprir este papel, o forte preconceito contra o “ex-operário nordestino e semi-analfabeto”, exceto para segmentos da alta classe média, fica de molho. Caso o atual governo fracasse nesta missão, pode rapidamente perder o apoio do conjunto das frações burguesas, como ocorreu com “o apóstolo da Ordem” em 1945 e 1954.

Hoje, até parte dos grandes meios de comunicação embarca em um ufanismo politicamente desmobilizador. O que não é incompatível com a intensa criminalização dos movimentos sociais, inclusive no que estes apresentam de projetos nacionais sérios, até porque dotados de forte potencial antiimperialista. Apesar das contradições secundárias o (o que não significa desimportância), de acordos conjunturais, inclusive apoios eleitorais, ou mesmo de equívocos cometidos pelas lideranças populares, Vargas, Simonsen e Julio de Mesquita, o Lula atual, Antonio Ermírio e Roberto Marinho, estão de um lado; Prestes, Olga Benário e Gregório Bezerra, o MST, Apolônio de Carvalho e João Amazonas, no campo oposto. O fato de um governante ser atacado por forças antinacionais não significa necessariamente que ele não represente os interesses dos dominantes.

Em tempos de ufanismo neodesenvolvimentista, é fundamental distinguir o nacional-burguês do nacional-popular.

Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida é sociólogo e professor do Departamento de Política da PUC-SP.

*Artigo publicado originalmente no jornal Brasil de Fato. Segue o artigo escrito por Emir Sader


O sub-udenismo

Emir Sader

Por mais diferentes que possam parecer as condições históricas, a polarização política atual se parece incrivelmente àquela de décadas atrás entre Getúlio e a oligarquia paulista. Alguns personagens são os mesmos – os Mesquitas, por exemplo -, outros se agregam a eles – os Frias, os Civitas -, os partidos tem outros nomes – PSDB no lugar da UDN; PSOL, no lugar da Esquerda Democrática; FHC no lugar de um udenista carioca, mas o xodó da direita paulista de então, Carlos Lacerda; intelectuais acadêmicos mudam de nome, mas repetem o mesmo papel.

O anti-getulismo era o mote central que aglutinava a direita e setores de esquerda que, confundidos, se somavam àquela frente. Na defesa da “liberdade” de imprensa, supostamente em risco, quando o monopólio era total – com exceção da Última Hora – em favor da oposição. Liberdade de educação, supostamente em risco, a educação privada, pelos avanços do “estatismo” getulista.

Em defesa do Estado, supostamente assaltado por sindicalistas e pelo partido do Getúlio – o PTB – e pelos sindicalistas, petebistas e comunistas. Excessiva tributação do Estado, populismo de aumentos regulares do salário mínimo. Denúncias de corrupção. Alianças internacionais com intuitos de abocanhar governos em toda a região, tendo Perón como aliado estratégico.

Era a polarização da guerra fria: democracia contra ditadura, liberdade contra totalitarismo. O Estadão se referia nos seus editoriais ao governo “petebo-castro-comunista”, quando falava do governo Jango, uma continuação do de Getúlio.

A Esquerda Democrática, que tinha surgido dentro da UDN, depois se abrigou no Partido Socialista, se opunha ferreamente à URSS (ao stalinismo), aos partidos comunistas e ao getulismo, como um bloco único. Era composta bascamente de intelectuais, os principais – como Antonio Cândido, Azis Simão, entre outros – fizeram autocrítica por terem finalmente ficado com a direita contra Getúlio.

O Partido Comunista, que em 1954 tinha ficado contra Getúlio, somando-se à oposição, teve que sentir a reação popular, quando os trabalhadores, assim que souberam do suicídio de Getúlio, se dirigiram em primeiro lugar à sede do jornal do PC, para atacá-lo. Um testemunho dramático revela os dilemas em que tinha se metido o PCB: Almino Afonso, extraordinário parlamentar da esquerda, ia se somar à marcha, apoiada pelos comunistas, contra Getúlio. Quando a marcha chegou ao Largo São Francisco, onde se somariam os estudantes, Almino se deu conta que a marcha era liderada pelas madames representantes da mais reacionária burguesia paulista. E, nesse momento, se perguntou, onde tinham se metido, com quem, que papel estavam jogando. E se deu conta que estavam do lado errado, com a direita, contra Getúlio.

Atualmente, o bloco opositor ao governo Lula está composto de forças as mais similares àquelas que se opunham a Getúlio. O governo Lula aparece sendo acusado de coisas muito similares: estatismo, impostos, sindicalistas, corrupção, apropriação do Estado para fins partidários, gastos excessivos com políticas sociais, alianças internacionais que distanciam o país da aliança com os EUA, favorecendo a lideres nacionalistas, etc.,etc. Então e agora, a oposição conta com a SIP – Sociedade Interamericana de Imprensa -, que pregou e apoiou a todos os golpes militares no continente.

Como agora, a frente direitista foi sempre derrotada pelo voto popular, a ponto que a UDN chego a pedir o “voto de qualidade”, com o pretexto de o voto de um médico ou de um engenheiro deveria valer mais do que o voto de um operário, no seu desespero de sentir que perdia o controle do país para uma coligação apoiada no voto popular.

Da mesma forma que depois da morte de Getúlio, se chocam o desenvolvimento e o “moralismo” privatizante da UDN, um projeto nacional e popular e o revanchismo de 1932, que pretende que a elite paulista é a locomotiva da nação, quando ela se apóia no trabalho dos milhões de trabalhadores superexplorados pelas grande empresas internacionalizadas, milhões de trabalhadores, entre os quais se encontram os retirantes do nordeste, que foram construir a grandeza de São Paulo.

O sub-udenismo atual – o primeiro como tragédia, o segundo como farsa - está tão fadado ao fracasso e a desaparecer de cena – FHC, Tasso Jereissatti, Bornhausen, Marco Maciel, Pedro Simon – como desapareceram seus antecessores, a começar por Carlos Lacerda – de que FHC é uma triste caricatura. Inclusive porque agora lhes falta um elemento essencial – poder bater nas portas dos quartéis, pelo que eram chamados de “vivandeiras de quartel”. Resta-lhes o traje escuro do luto, cor preferida de Lacerda e que cai tão bem em FHC – a cor do corvo, a ave de rapina, ave de mau agouro, a quem só resta ser Cassandra de um caos que souberam produzir, mas que foi superada exatamente pela sua derrota e seu fracasso. Sobre o seu cadáver se edifica o Brasil para todos

Comentário do Blog

Exageros esquerdistas a parte, na caracterização do caráter de classe do governo Lula - até porquê Marina Silva que dele participou em boa parte pode se sentir ofendida - , já que Lúcio Flávio em seu artigo não se ocupa em analisar em que contexto político ascendeu este governo e
não trata da correlação de forças realmente presente no Brasil e no mundo, bastante desfavorável ao campo democrático e popular, ou como ele prefere distinguir, nacional-popular, a partir das inúmeras derrotas sofridas pelas experiências socialistas e social-democrátas no século passado e pela supremacia da lógica mercantil e liberal no planeta, ele abre um oportuno debate programático para 2010.

Além disso, cacacteriza melhor que Emir Sadar o conjunto da obra das Eras Vargas e Juscelino, e as contradições do desenvolvimentismo excludente brasileiro, que se tornou menos excludente justamente na Era Lula, malgrado todas as mediações políticas e programáticas que realiza com "frações da burguesia brasileira"

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