quarta-feira, 1 de julho de 2009

A TV PAGA E UMA ELITE AMERICANALHADA

PL-29: o caminho para a apartação cultural
Marcos Dantas - para o Observatório do Direito à Comunicação
29.06.2009

"O que restou na televisão aberta para os ‘baixinhos’, como diz Xuxa, passada a era das apresentadoras loiras?” – perguntou-se a Folha de S. Paulo, na reportagem sugestivamente intitulada “Quem precisa da TV aberta?”, assinada por Laura Mattos, publicada em 9 de novembro do ano passado. Não restou quase nada, responde. “As paixões da meninada hoje são ‘Backyardgans’, ‘Ben 10’, ‘High Scholl Musical’ e outros programas totalmente gestados em canais pagos”, informa. Esqueceu-se muito convenientemente de acrescentar: além de pagos, estrangeiros.

A mentalidade de milhões de crianças e jovens que, daqui a 20 ou 30 anos, começarão a assumir postos de responsabilidade e de liderança nas mais diversas atividades de nossa sociedade, da simples operação ou gestão de empresas, até a alta produção cultural ou direção política, está sendo, neste momento, integralmente formada por produtos simbólicos sem qualquer vinculação com a cultura brasileira e com alguma idéia de pertencimento e destino comum de nação. Mas, como diz com aparente ingenuidade a mesma matéria, aqueles e outros programas “estampam milhares de subprodutos, de DVDs a cuecas e macarrão instantâneo”. Habituam as crianças a naturalizar o consumo desmedido (de marcas importadas) e nada lhes ensinam sobre democracia, cidadania e projeto de País.

Cerca de 5,5 milhões de domicílios brasileiros já são atingidos pela TV paga. Em quase todos, encontram-se os canais Discovery Kids, Warner, Cartoon Networks, Disney, Nickelodeon e outros. É claro que esses domicílios são basicamente habitados pelas chamadas classe “A” e “B”, ou seja, burguesia e alta classe média. Neles se encontram as crianças e jovens com melhores condições de acesso à informação e educação, com elevado poder de consumo, destinadas, gostemos ou não, a sucederem seus pais e avós na condição de elite (econômica, política, intelec-tual, cultural) do País, daqui a alguns anos. Voltando a se comportar como as elites que tínhamos até meados do século XX, esta será, de novo, uma elite de costas para o Brasil, que aprenderá a olhar (já está começando a aprender) com profundo desprezo para a nossa história e para a nossa cultura, sobretudo para a nossa rica cultura popular. Uma elite americanalhada.

Este é ou deveria ser o ponto central do debate em torno da PL-29. Seria uma oportunidade para, corrigindo o equívoco da cultuada Lei do Cabo, submeter o audiovisual, qualquer que seja o seu meio de propagação e difusão, aos princípios expressos nos artigos 221, 222 e 223 da nossa Constituição. Ora, quando a Constituição foi elaborada, no final dos anos 1980, a produção cultural somente poderia ser veiculada, além da imprensa escrita e das salas de cinema ou teatro, através do rádio e da televisão...."

Marcos Dantas é professor do Dept. de Comunicação Social e coordenador do Instituto de Mídias Digitais da PUC-Rio. Integra o GTE do Fórum Mídia Livre e a Comissão Rio Pró-Conferência Nacional de Comunicação. Foi secretário de Educação a Distância do MEC e membro do Conselho Consultivo da Anatel. Este é o primeiro de dois artigos sobre o tema.

Comentário do Blog

Esse trecho do oportuno artigo do professor Marcos Dantas, à luz do debate sobre o PL 29, que trata entre outras coisas do espaço a ser garantido a produção cultural brasileira nos meios de comunicação, aborda o legado cultural e ideológico da produção televisiva brasileira, diante da legislação vigente para o setor, apartada da realidade histórica do país, portanto, desfocada de qualquer projeto nacional autônomo e soberano que se busque construir para o Brasil.

Enfim, a velha lógica de se olhar o país de fora para dentro, tendo como base valores e uma estética disseminados feito mercadorias a serem compulsoriamente consumidas. Um verdadeiro retrocesso para o qual toda uma geração corre o risco de ser arrastada. Os desdobramentos do debate sobre o PL- 29 serão decisivos para a continuidade ou estancamento daquele retrocesso. Vale a leitura na íntegra

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